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quarta-feira, 19 de junho de 2013

Os "sem-igrejas" e a heresia da não sujeição - Aula 43: Estudo da Confissão de Fé Batista de 1689


Por Jorge Fernandes Isah


A primeira pergunta que se tem de responder é: o que é igreja? O que os irmãos entendem por igreja?

Há os que consideram-na apenas como uma construção, um edifício, e nada mais do que isso. Há os que a têm por denominação, como uma instituição meramente humana, onde um grupo de pessoas se reúnem  para professarem algum tipo de fé.  Pode ainda ser utilizada para distinguir homens religiosos de não religiosos. Em todos esses aspectos terminológicos, e ainda em outros mais, o vocábulo igreja pode ser reduzido, o que acabaria por não configurar o seu significado verdadeiro. De certa forma, os termos aos quais ele é mitigado obscurece-o, não definindo a sua real essência e o seu correto entendimento bíblico.

A primeira lembrança que nos vem à mente é de que a igreja é o corpo de Cristo. Esta é claramente a imagem que se descortina na mente do crente. Ele, como membro, faz parte desse corpo, sendo portanto, parte da igreja. Muitos afirmam que são a igreja, mas ela não é constituída por um único membro, mas por milhões deles, o que configura um ajuntamento, um agrupamento de pessoas atraídas por um mesmo chamado: aquele que eficazmente Deus produz no homem, de forma que não se pode resistir nem rejeitá-lo. Este é o chamado ao arrependimento, à regeneração, na qual o homem natural se transforma em espiritual, de perdido a salvo, de condenado a inocente; não por algum mérito que haja em si mesmo, mas por aquilo que Deus realiza nele, por meio da obra redentora do Senhor Jesus Cristo.

Assim, essa é uma qualidade da igreja, a de ser um organismo, o que o corpo nitidamente é. Como organismo, a igreja é o corpo místico de Cristo [1Co 12.12-13], o qual é a cabeça, que guiará o corpo em todo o cumprimento da sua vontade; um povo escolhido para levar até os confins da terra o seu santo e bendito nome [At  15.14]. De forma que a palavra grega "eclesia", cuja tradução para o português é igreja, tem um significado muito mais abrangente, daqueles que são "chamados para fora", dentre as nações, ao nome do Senhor Jesus,  para constituírem uma comunidade, uma assembleia, na qualidade de seguidores de Cristo, chamados "cristãos", a fim de obedecerem aos princípios por ele estabelecidos. A essa qualidade da igreja, podemos chamá-la de organização.

O que muitos cristãos esquecem-se é de que a igreja não é apenas um corpo místico como pensam,  o que é comumente chamado de "igreja universal",  mas de que ela foi instituída por Deus tanto como igreja universal como igreja local. Essa doutrina de que a igreja local, como organização não tem o respaldo bíblico é uma falácia. Basta ver que os irmãos em Atos dos Apóstolos estabeleceram igrejas locais,  suas prioridades, designaram cargos, funções, como diáconos, pastores, bispos, presbíteros, etc. O próprio apóstolo Paulo fala nos dons que Deus deu a cada um dos membros, e de que esses membros trabalhariam em harmonia a fim de que o corpo funcionasse em harmonia; a ordem do culto, como os irmãos deveriam se portar na ceia do Senhor, e muitas outras recomendações foram estabelecidas para uma igreja que se reúne, congrega, e tem comunhão efetivas. Logo a ideia do crente solitário, isolado, que assiste a prédicas pela TV, que acredita fazer parte de uma igreja virtual através das redes sociais, que ceia via satélite, simplesmente não existe. Com isso, não estou a dizer que não é possível ter comunhão com um irmão distante, do outro lado do globo, por exemplo, mas que isso não é o suficiente e não torna o trato virtual um tipo de igreja. É-se necessário que exista o corpo local, e de que os cristãos sejam partícipes dele, a fim de realizarem a obra que o Senhor nos deu a fazer, em ordem, decência, e sob os cuidados de todos os irmãos, de maneira que todos estejam participando ativamente e não sejam meros espectadores. Muitos não valorizam o trabalho eclesiástico por desconhecê-lo. Desprezam-no com argumentos particulares e que atribuem ao geral, a todos. Se há apostasia, heresia, mau-uso do dinheiro, despotismo, má-fé, e outros pecados, eles não podem ser imputados a todo corpo local. Tal atitude é, além de absurda, soberba, pois demonstra a quem a profere um tipo de "onipresença e onisciência" da qual nenhum homem, por mais viajado e bem informado, é capaz de ter; esses são atributos exclusivos de Deus e de mais ninguém.

Então temos uma luta travada no próprio corpo, em que irmãos que se organizam, tal qual a igreja primitiva se organizou, são acusados de pecados que não cometeram.  É como aquela piada da mãe que, vendo a água suja na banheira, joga-a fora juntamente com o bebê.  O desprezo que se tem em certos grupos em relação à igreja institucional chega a ser doloso. A maioria, por desconhecer as Escrituras ou impor a ela o seu gosto pessoal, rebelam-se por seguir "mestres" sem entendimento e sem o devido zelo. Muitas vezes, por terem passado "mau-bocados" em alguma igreja ou sob a direção de algum pastor ou presbítero, acreditam que todas as igrejas, e consequentemente todos os pastores, presbíteros e diáconos, são deturpações da palavra de Deus, e obra exclusiva de satanás. Tudo bem, estou exagerando um bocado, mas já tive discussões com alguns irmãos que quase chegaram a essa afirmação, simplesmente não a concluíram nos termos em que expus, mas os sentido estava lá, latente, pronto a se manifestar. E, por isso [as vezes o sentimento de decepção, de frustração ou de vingança] saem por aí, sem zelo, sem discernimento, sem prudência, proclamando aos quatro ventos a "heresia da igreja organizacional".

Esta semana me deparei  com a seguinte mensagem em uma comunidade virtual:

"Quanto mais a minha mãe fala para eu ir à igreja mais raiva eu tenho... Acabei de discutir com ela falei: Diz alguém que vc levou para a igreja enchendo a paciência assim? Algum irmão, o ex-marido? Fala um! Cansei! Desculpa o desabafo... Mas toda a vez que eu vou me dá nos nervos e vejo que perdi duas horas ou mais da minha vida, que podia estar descansando, sei lá...".

Esta afirmação, que ganhou a concordância de outros irmãos, me parece, além de triste, infeliz, por vários motivos, mas apresentarei apenas dois:

1) A Bíblia nos ordena a honrar pai e mãe. Ora, mesmo que eles estejam equivocados em um ponto ou outro, isso não dá o direito de sermos desrespeitosos, impacientes e belicosos. Deveríamos ouvi-los e meditar no que dizem. É possível que a mãe exagere em seu cuidado e admoestação para que a filha procure uma igreja e congregue, mas, sabendo dos sérios problemas que advém da ovelha sem aprisco, se a filha soubesse, não agiria assim também com aqueles que ama? De qualquer forma, o testemunho que ela dá com a sua irritação para com a mãe é péssimo, e depõe para a fé cristã. Outra coisa, ainda: se o chamado a congregar não é atendido por quem não se interessa a congregar, o erro é de quem chama ou de quem não atende ao chamado? Se fosse assim, não haveria a ordem de Cristo para proclamar o Evangelho a toda criatura, pois o número daqueles que o rejeitam é muito maior do que os que o aceitam. Essa é outra estratégia para transferir ao outro a culpa que cabe somente a nós. Apelamos para o pragmatismo quando o que acontece não é falta de eficiência de quem chama, mas desobediência de quem rejeita. É o caso aqui, pois se todos rejeitam devo me calar por conta da rebeldia de quem não quer ouvir?

2) Ao dizer que lhe dá nos nervos as duas horas ou mais perdidas no culto, e de que poderia estar descansando ou fazendo outra coisa, vem-me à mente o tipo de cristão que se está construindo, ou melhor, que se está desconstruindo. É claro que há igrejas em que o Evangelho não é pregado, pastores e presbíteros são tão tolos que não deveriam guiar nem mesmo uma manada de bois, que as músicas são tão vulgares como os piores exemplos produzidos pelo mundo, mas generalizar é cair no mesmo caso de tolice e soberba que apontei anteriormente. No mínimo, deve estar faltando oração, pedindo-se a Deus que lhe destine um local onde possa servi-lo verdadeiramente. A ideia que se quer passar é de que nenhuma igreja presta, e de que todas representam perda de tempo. É melhor qualquer outra atividade do que estar na congregação. Atitudes assim demonstram desprezo e vaidade, além de individualismo e autosuficiência, do tipo, não preciso disso, posso muito bem viver sem isso. Então, um pecado gera o outro; e, deixo a pergunta, parafraseando o apóstolo do amor, João Evangelista: se não me sujeito à autoridade da igreja que vejo, como posso me sujeitar à autoridade de Deus que não vejo?

Penso que há uma guerra barulhenta dos "sem-igrejas", não com o intuito de manterem seus privilégios, mas de arregimentarem novos adeptos de uma prática que em nada se configura cristã. Os exemplos tomados são sempre os piores, nunca há nada de virtuoso a ser experimentado ou testemunhado, o que garante o direito de se difamar homens e grupos religiosos cristãos como se fossem um bando de malfeitores. Há livros, em profusão, acusando pastores de "batedores-de-carteiras", e a igreja de quadrilha ou gang. A esse tipo de arrogância e desprezo chegam os "gurus" dos "sem-igrejas". São pessoas assim que elaboram os argumentos de uma vida tão apegada aos valores mundanos que, em sua cegueira, considera-os espirituais... Sem se preocuparem com a procedência desse espírito.

É claro que no corpo local haverá, como o Senhor Jesus disse, o trigo e o joio, salvos e não salvos, onde aqueles trabalham para a glória de Deus, enquanto esses são empecilhos [ainda que em sua rebeldia também colaborem para a glória divina]. Não é possível dizer quem é e quem não é salvo, mas é certo poder dizer que os salvos estão entre os que se encontram sob a autoridade da igreja. Mas quanto a este ponto, falarei mais à frente, no decorrer das próximas aulas.

O fato é que a doutrina do cristão sem-igreja não tem nada de santa, nem pura, nem cristã, nem mesmo religiosa [no sentido mais estrito do termo], ela, de certa forma, demonstra a incapacidade não do corpo local, mas daquele que se diz cristão de não se sujeitar à autoridade; e penso que isso é extremamente grave. As implicações vão desde uma vida vazia, sem qualquer testemunho de fé, até erros doutrinários, chegando-se ao ápice das heresias. A maioria deles não reconhece a Bíblia em sua infalibilidade, inerrância e inspiração divina. Outros são adeptos da descontinuídade das Escrituras. Outro tanto não reconhece nenhuma autoridade humana. E quando me deparo com qualquer deles e seus discursos autônomos vislumbro uma ovelha perdida, sem rumo, desgarrada. Opõem-se a todas as formas não organizacionais da igreja, mas acabam por optar por uma forma, ainda que não eclesiástica. Apenas querem cuidar dos seus narizes, sem responsabilidade para com o corpo, mesmo que seja o chafurdar na lama. Como já disse, não apelo para a perfeição da igreja local, mas não é possível aceitar os argumentos que os "sem-igreja" desajuizadamente querem dogmatizar. O interessante é que mesmo rejeitando um, alguns, ou todos os dogmas, eles acabam por estabelecer os seus próprios, a se agruparem, e terem uma convivência como qualquer outro grupo humano. Ao apelarem para o espírito, entregam-se à carne. E, simplesmente, não suportam a obediência, a fraternidade, a servidão e sujeição como marcas do cristão bíblico. Se há algo que devem fazer é se arrepender, e voltarem ao Evangelho. Pois, certamente, há igrejas onde ele é pregado, a obra de Cristo é realizada, o Espírito Santo atuando, e Deus glorificado.
 

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