Por Jorge Fernandes Isah
INTRODUÇÃO
A sabedoria de Deus é outro dos seus atributo intelectuais [Jó 12.13], o qual também nos foi comunicado; de forma que o homem pode, ainda que não perfeitamente, como Deus, apresentar-se sábio em muitos momentos. Normalmente temos a impressão de que conhecimento e sabedoria são sinônimos, quando, ainda que estejam relacionados, os seus conceitos e aplicações são diferentes. Por exemplo, um homem inculto pode ter grande sabedoria, enquanto um erudito pode não passar de um tolo. O conhecimento é proveniente dos estudos, logo, teórico, enquanto a sabedoria é a capacidade intuitiva de se conhecer as coisas, logo, prática. Pode-se concluir que o conhecimento não depende da sabedoria, um homem pode tê-lo sem que seja necessário usá-lo, enquanto a sabedoria dependerá sempre de algum conhecimento anterior à aplicação.
Mas, o que significa mesmo a palavra sabedoria?
A sabedoria está sempre ligada ao conhecimento, ainda que se discuta a aplicação de um termo melhor, sapiência. Do ponto de vista filosófico, sabedoria refere-se tradicionalmente à conduta racional nas atividades humanas, a possibilidade de dirigi-las da melhor maneira possível. Platão a identifica com sapiência, de forma que não há distinção entre elas, definindo-a como "a mais elevada e, sem a menor dúvida, a mais bela, pois trata da organização política e doméstica, à qual se dá o nome de prudência e justiça" [O Banquete, pg 209]. Aristóteles distingui-a de sapiência, considerando-a o "habito prático e racional que diz respeito ao que é bom ou mau para o homem" [Ética, VI, 5, 1140 b 4]. Como o homem é mutável, por conseguinte, a sua sabedoria também, Aristóteles distingue-a da sabedoria que está acima de tudo, a qual é elevada e divina, portanto, imutável, sendo sempre a mesma. Parece-me que tanto Platão como Aristóteles definem sabedoria como a capacidade do homem viver uma vida virtuosa, prudente, e capaz de discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o verdadeiro e o falso. Isso está em acordo com o que a Bíblia nos revela àcerca da sabedoria.
No A.T. a sabedoria se aplica comumente aos homens, como a capacidade dada por Deus para que eles coloquem-no, em suas vidas, no lugar correto e apropriado. A começar pelo temor do Senhor [Jó 28.28, Pv 9.10]. E assim, aqueles que conhecem a Deus refletirão nas questões práticas da vida o seu caráter pessoal, santo e justo, ou seja, o homem aplicará, no seu cotidiano, o ensino revelado por Deus; implicando, primeiramente, no conhecimento da sua vontade, expressa na Escritura, sem a qual não é possível o discernimento, a análise e o emprego dos princípios de certo e errado, que o levará ao juízo correto e a uma vida reta diante de Deus e do próximo.
O termo normalmente utilizado para se referir à sabedoria no hebraico é "hokmâ", e para sábio, "hãkãm", cobrindo toda uma gama de experiências humanas, tanto na aptidão de exercer uma atividade [Ex 31.3,6; Is 10.13; Dt 34.9], como na sagacidade, que é a capacidade de compreensão da realidade, ainda que oculta [2Sm 20.22], como na prudência, a virtude que nos faz prever e evitar as faltas e os perigos e que nos leva a conhecer e praticar o que nos convém [Sl 37.30; Pv 10.31, Sl 90.12]. No caso do cristão, representa ser obediente aos princípios morais e éticos bíblicos, e a evitar as práticas que ferem esses mesmos princípios, revelando que a sabedoria nas questões práticas da vida é derivada, originada, da revelação divina [Is 33.5-6; Pv 2.6].
No NT ela é expressa pela palavra grega "sophos" e, normalmente, se relaciona à capacidade de um homem abordar a vida, decorrente da aliança com Deus, logo, é considerada uma dádiva de Deus.
UM EXEMPLO DE SABEDORIA
O exemplo de um homem sábio é o do rei Salomão, filho de Davi. No início do seu reinado, Deus apareceu-lhe em sonho, e disse-lhe: "Pede o que queres que eu te dê" [1Rs 3.5]. Salomão pediu: "A teu servo, pois, dá um coração entendido para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; porque quem poderá julgar a este teu tão grande povo?" [v.9]. Deus assegura então a Salomão que, não somente o faria sábio, mas que nem antes nem depois dele jamais apareceria homem mais sábio do que ele: "Eis que fiz segundo as tuas palavras; eis que te dei um coração tão sábio e entendido, que antes de ti igual não houve, e depois de ti igual não se levantará" [v.12]. A primeira pergunta que vem a mente é: Salomão foi mais sábio que Jesus [comparação que os detratores do Cristianismo fazem com Mt 12.42]? A Bíblia não afirma isso, e o trecho lido não faz alusão a Cristo. Sabemos que Cristo era Deus-homem, o Verbo encarnado, e de que, portanto, não era um homem comum. Sua sabedoria era divina, eterna, infinita, imutável e perfeita. Em Cristo não havia duas pessoas, mas apenas uma, a do Verbo. Duas naturezas, a divina e a humana, mas uma única pessoa. Não há dualismo em Cristo. Pois, sendo Deus, nada relativo à sua natureza humana afetaria a sua natureza divina; temos em Cristo o Deus-homem, não o Cristo Deus e o Cristo homem, como se fossem duas pessoas distintas subsistindo em uma. Muitos afirmam contradição onde não há. O fato é que eles partem do falso pressuposto de que Cristo é apenas um homem e, logo, como poderia a Bíblia afirmar que um homem não encontra igual entre os homens, e, mais à frente, afirma que há um homem maior do que aquele? Contudo, se eles não lessem a Escritura apenas à procura de contradições, se a lessem como o livro inspirado e a palavra do próprio Deus, perceberiam que Cristo não é apenas um homem, mas o Verbo encarnado. Como a premissa deles é falsa, todo o argumento é falacioso e, pior, em sua soberba, falam do que não conhecem e nem querem conhecer. São os ignorantes que não querem abandonar a ignorância, antes querem perpetuá-la, aliciando incautos e fazendo-os repetir seus delírios.
Quando Deus distingue a sabedoria de Salomão da de todos os homens, fala dos seres criados; poderíamos dizer, dos homens comuns, aqueles que estão no mesmo nível do filho de Davi, que carecem e necessitam desesperadamente de Deus. A sua afirmativa está presa ao fato de que Salomão foi um homem cujas decisões seriam tomadas mediante o conhecimento claro, direto, imediato e espontâneo da verdade. Ele teria uma percepção, pressentimento, ou melhor, a intuição do que fazer, e assim decidir com justiça. O relato da disputa de duas mulheres por uma criança, em que ambas se diziam a mãe do bebê, revela-nos o grau de sabedoria ao qual Deus está se referindo [1Rs 3.16-28]. Não o conhecimento e o discernimento infinitos, perfeitos e eternos que o Senhor Jesus tem, mas, simplificadamente, a capacidade que Deus deu ao rei de julgar corretamente. Parece-me mais a capacidade de avaliar e decidir pela verdade, o que não quer dizer que ele detenha a verdade, nem a conheça exaustivamente. Como se dirigiu a Deus, o seu pedido foi limitado ao julgamento das coisas terrenas, das disputas humanas, e a sentenciar retamente, diante de um povo tão grande. Ainda que as decisões fossem complexas, como o exemplo citado das mães e do bebê. A sabedoria de Salomão era divina [v.28], no que se referia à justiça em Israel, mas de forma alguma quer dizer que Salomão fosse sobrenaturalmente sábio, infalível e perfeito como Cristo. O fato dele decidir mal em relação à própria vida pessoal, ao cuidado da sua casa, e quanto ao permitir que se erguessem altares de deuses pagãos em Israel, os quais eram adorados livremente, demonstra que essa sabedoria não era exaustiva, nem abrangente, nem perfeita em unidade.
A SABEDORIA EM DEUS
Sendo Deus sábio, a sabedoria é necessária e essencial em seu ser, de forma que ele não poderia ser o que é sem ela. Como já foi dito, a sabedoria divina é perfeita, eterna, infalível e imutável; de forma que encontram-se escondidas, em Deus e em Cristo, todos os tesouros da sabedoria e da ciência [Cl 2.3]. Ela é originária em Deus, e somente ele a detém. Ainda que os homens possam ser considerados sábios em vários momentos, somente Deus é sábio eternamente. O homem pode ter momentos de sabedoria, mas a sabedoria não se confunde com o ser humano, e torna-se inadequado afirmar que o homem seja sábio. Temos "flaches" de sabedoria, em que nossas decisões e ações refletem o conselho divino, mas, na maioria das vezes, estamos distantes, e acabamos produzindo a insensatez e o desatino. Ela também se desenvolve no homem, é progressiva, adquire-se com o passar dos anos. Em Deus, ele é a sabedoria, e somente ele pode ser chamado de sábio, em seu sentido absoluto, como uma propriedade ou qualidade singular, própria e exclusiva dele. Diferente do homem, Deus não aprende nem exercita a sua experiência. Deus sabe e é eternamente. A sabedoria é inerente a ele, não podendo ser acrescentada nem diminuída, como se houvessem graus de sabedoria em Deus. Deus tem toda a sabedoria, que em sua perfeição e eternidade é imutável e infinita. Muitas vezes a infinitude nos dá uma ideia de desenvolvimento, de progressão, um conquistar no tempo e no espaço, porém, tudo que progride é finito, e o finito jamais será infinito. Deus é infinito, e somente ele conhece a sua infinidade. Assim como somente ele conhece a sua sabedoria, que para nós é incompreensível em sua totalidade. Como está escrito: "Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito" [Sl 147.5]. E, como poderia o homem medir a sabedoria divina? De maneira alguma, porque quão profundas são as riquezas, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos [Rm 11.33]. Resta-nos quedar admirados e fascinados com tão grandiosa revelação, sabendo que, se queremos ser homens sábios, devemos buscá-la em Deus, que é o único que a tem. Tiago nos diz para pedi-la, pois Deus a dá liberalmente. Mas, primeiro, devemos reconhecer que a temos em falta; e nos humilhar diante daquele que a tem em abundância, e a dará certamente.
Sábio também é aquele que, ao invés de confiar na própria sabedoria [o que em si, já é sinal de sabedoria], e enganar-se a si mesmo, deposita a sua confiança em Deus, sabendo que a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus, para que nenhuma carne se glorie perante ele [1Co 3.18-21; 1.29]. Por isso, ninguém é chamado de filho por ser sábio, no sentido em que o mundo conhece, porque ele não pode conhecer a Deus por sua sabedoria. Muitos dos que foram chamados, a maioria de nós, não o foram por serem sábios, poderosos ou nobres na carne; porque, como está escrito, aprouve a Deus escolher as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias, e as que não são, para aniquilar as que são [1Co 1.26-27]. Se buscamos saber aos moldes do mundo, nosso esforço será infrutífero. Mas se empenharmo-nos em aprender de Deus, através da sua santa palavra, quão sábio seremos, pois cumpriremos a sua vontade de viver neste mundo em santidade, separados para ele. Se é do Senhor que vem o conhecimento e o entendimento [Pv 2.6], busquemo-lo, e ele se revelará a nós, dando-nos gratuitamente o que granjeamos: que Cristo faça abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência, descobrindo-nos o mistério da sua vontade [Ef 1.8-9], e, repetindo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência.
Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. em 25.03.2012;
2-Baixe esta aula em file.MP3
3-A sabedoria de Deus está presente em tudo, e não há nada que ele faça mais ou menos sábio, pois ele é a própria sabedoria. Ela tanto está presente na Criação, na Escritura, como na redenção através da obra do nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, optei em postar uma foto que simbolizasse um entre todos os atos sábios divinos, a crucificação e morte na cruz do nosso Redentor.
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