Página de doutrina Batista Calvinista. Cremos na inspiração divina, na inerrância e infalibilidade das Escrituras Sagradas; e de que Deus se manifestou em plenitude no seu Filho Amado Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, o qual é a Segunda Pessoa da Triunidade Santa

sábado, 5 de maio de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 26: A santidade de Deus




Por Jorge Fernandes Isah



INTRODUÇÃO
Muito mais do que ser interpretada como apenas uma qualidade moral ou ética de Deus, a sua santidade é outro atributo que o caracteriza como Deus. Sem ela, ele não seria o que é, pois, assim como o Pai é santo [Is 57.15, 1Pe 1.15-16], Cristo também é o Santo e Justo [Is 41.14, At 3.14], e Deus Espírito é chamado de o Espírito Santo de Deus [Ef 4.30]. Temos que a santidade é um atributo sem o qual Deus não seria Deus, e que também é compartilhado necessária e essencialmente pelas pessoas da Triunidade; de forma que é considerado o mais nobre, enfático e exaltado atributo, revelando a majestade e distinção da sua natureza e caráter. É-se necessário dizer que esta distinção tem uma conotação muito mais pedagógica, tanto na Bíblia como na Teologia Cristã, pois sabemos que em Deus não há distinção entre os seus atributos; mas conhecendo-nos como ele nos conhece, foi assim que se revelou, para que pudêssemos conhecê-lo mais adequadamente, e pelo qual ele seria mais excelentemente glorificado. Também, porque, certamente, esse é o atributo que mais nos aproxima do ser divino, e a sua ausência nos afasta; para que pudêssemos dar, ainda que não absolutamente, a devida relevância à santidade, e reconhecer a necessidade de tê-la para que fôssemos novamente ligados a Deus, pela obra sacrificial e redentora de Cristo. Ao mesmo tempo em que ele se revela como é, e quem é, ordena-nos a ser como ele: santo! Como o Senhor disse a Israel: "E ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo, e vos separei dos povos, para serdes meus" [Lv 20.26]; no que foi repetido pelo apóstolo: "Porquanto está escrito: Sede santos, porque eu sou santo" [1Pe 1.16].

A santidade, como atributo divino comunicável aos homens, em face da nossa natureza pecaminosa, é um processo laborado pelo Espírito Santo, não podendo, jamais, ser considerada em seu caráter absoluto. Para que o homem se aproxime de Deus é necessário que não haja mancha ou pecado, o que nunca acontecerá por nossos esforços. Ainda que desejamos a santidade, busquemo-la, e sintamos os seus efeitos na alegria de resistir ao pecado e ter comunhão com Deus, estamos constantemente suscetíveis a cair em afronta contra ele. É um sobe e desce em nossas vidas, e como as decidas são mais fáceis, e as subidas requerem esforço, temos sempre a impressão de que nunca chegaremos ao topo. Mas o fato é que estamos lá, e essa é uma gloriosa vitória, ainda que não tenhamos mérito algum nela; pois ela é completamente realizada por Deus, e somente possível pela obra redentora do nosso Senhor Jesus Cristo na cruz. 

Com isso, estou a dizer que uma santidade "relativa", em que ora estamos no estado de santidade [e esse estado de santidade é discutível, pois em nossa imperfeição, muitas vezes estamos diante do pecado sem reconhecê-lo; e pecamos sem a noção do pecado], ora estamos no estado de impiedade, não é capaz de nos aproximar de Deus, muito menos de nos relacionarmos com ele. Até mesmo o arrependimento seria impossível, se Cristo não nos intermediasse e intercedesse. Acontece que a intermediação e intercessão de Cristo por nós é eterna, portanto a sua interposição entre Deus e nós é absoluta, e somente por ela é possível que nos relacionemos e nos acheguemos a Deus. Do ponto de vista divino, sempre fomos e seremos absolutamente santos, pois a obra redentora do seu Filho Amado, ainda que realizada no tempo, tem o seu caráter imutável e eterno; e o seu cumprimento absoluto resultou no perdão irrevogável, e na comunhão ininterrupta que temos com o Criador. Mas por conta do pecado, ela nos parecerá temporariamente cortada, como se estivesse desligada, e somente retomará o seu curso após o arrependimento para o perdão. Na perspectiva humana, a nossa santidade estará sempre condicionada a ele, posto sermos pecadores miseráveis, necessitados do favor divino: a sua graça infinita e eterna. Para Deus, como o salmista disse, fomos feitos eternamente mais brancos do que a neve, pois lavados e purificados pelo sangue do Cordeiro [Sl 51.7]. É o que Paulo afirma, ao falar da nossa predestinação e adoção por Jesus Cristo, pelo qual somos agradáveis a Deus, santos e irrepreensíveis, eleitos antes da fundação do mundo, segundo o beneplácito da vontade divina [Ef 1.4-6]. 

Com isso quero dizer que não é necessário fazer nada em favor da nossa santidade? Claro que não! O apóstolo nos adverte: "Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor" [Hb 12.14]. A ordem é para que sejamos santos, não a negligenciando, antes batalhando por ela. De uma forma misteriosa, Deus opera em nós tanto o querer como o efetuar, mas nós temos de querer e fazer, e seguir querendo e fazendo, e assim sentindo, cada vez mais, que somos transformados de glória em glória na sua imagem, refletindo como um espelho a glória do Senhor [2Co 3.18]; que somente acontecerá quando ocupar-nos em conhecer e entender o Deus santo, levando-nos a reconhecer a nossa miséria e imundície, e a ansiar chegar à perfeição do Santo.

A TEOLOGIA DO PECADO
Infelizmente, o mundo nunca deu valor à santidade, e para escândalo do nome de Cristo, muitos dos que se dizem seus discípulos também desprezam-na, apelando para uma "graça barata", em que o pecado, seja qual for o seu grau de malignidade, apenas acentuará a obra redentora. De forma que, ao ver deles, deve-se realizar um esforço sobre-humano para se pecar mais e mais, buscando-se uma overdose de iniquidade, e assim Cristo será exaltado e sua graça louvada pelo muito pecado cometido. Essa distorção apenas revela que tais proponentes da "teologia do pecado" não passam de inimigos da cruz, zombadores, querendo justificar sua rebeldia e transgressão com o mais absurdo dos argumentos, como se o Evangelho fosse bom apenas para nos adequarmos à nossa vida, e não o suficiente para transformá-la, e nos tornar em novas criaturas, que tenham a mente de Cristo. 

Torna-se urgente a retomada da sã doutrina e volta ao Evangelho, para que o homem seja livre das amarras do pecado; e Deus glorificado por sermos seus imitadores. 

A SANTIDADE, LEI E OBEDIÊNCIA 
No mundo de hoje disseminou-se a ideia de que qualquer coisa pode agradar a Deus. Desde que o homem a realize sinceramente [e veremos que muitos erros são cometidos sinceramente e por convicção; e de que, mesmo o pecado também é cometido sincera e convictamente], não importa o quão distante ele esteja dos preceitos divinos, Deus se agradará não pela obediência, mas pelo desejo do homem em agradá-lo. Essa perversão tem o objetivo de "liberar" o homem da submissão e da necessidade de se cumprir a vontade divina, dando vazão à sua independência de Deus que, em sua condição menos danosa [se é que se pode chamá-la assim], permite ao homem conduzir o seu culto a Deus ao invés de ser conduzido por Deus a cultuá-lo corretamente. O que se vê hoje são formas de adoração alheias e em oposição ao ensino bíblico, onde Deus não é glorificado mas o homem, que pode se expressar e extravasar-se livremente num culto cujo padrão é a autoadoração. 

Por isso, Deus nos deu exemplos de que a adoração verdadeiramente santa é a realizada em espírito e em verdade [Jo 4.23-24]. Veja que não se adora apenas em espírito, mas também em verdade. Há uma ênfase muito grande na adoração como manifestação subjetiva do homem, em que as suas sensações terão um lugar primordial. Arrepios, êxtase, catarse, emoções extravagantes são sinônimos de adoração. Não importam os motivos que levaram a isso. Nem que o resultado seja apenas uma "evacuação" da alma, como tirar um "peso" interior. Mas Cristo nos diz que espírito e verdade são fundamentais para a adoração. Um não subsiste sem o outro; de maneira que a adoração morre no altar de Deus se não atuar o Espírito, o qual é a verdade, e o espírito do homem está morto sem ela, pois a verdade é o próprio Deus. 

A fim de que o homem soubesse qual o padrão moral e ético divinos, Deus nos deu a sua lei. Especificamente ela foi dada à nação de Israel, o povo separado por Deus para ser seu, em meio ao mundo pagão e idólatra da época. Ali temos preceitos e normas que distinguiriam os judeus dos demais povos, revelando que eles adoravam ao Deus vivo e verdadeiro, e não aos falsos deuses. Todo aquele código tinha por objetivo revelar que ali encontrava-se um povo separado para e ao serviço do Senhor. E que era exortado continuamente a ser santo como Deus era santo; a afastar-se de toda a iniquidade. No sentido moral, significava que Israel deveria manter-se distante, afastado de toda a prática que infringisse os preceitos divinos, de todo o pecado, o qual era, e ainda é, abominação a Deus. Quem desobedecesse estaria sujeito às sanções e punições que o infrator sofreria. Deus se revelava misericordioso e gracioso ao escolher um povo, mas esse povo deveria ser santo, do contrário, a ira e a justiça santas de Deus estaria sobre ele. Na lei estava revelada, ainda que resumidamente, qual era o padrão da santidade divina, e o que os homens deveriam fazer para imitá-lo. É sabido que, em nossa imperfeição e mutabilidade, é impossível cumpri-lo. Coube a Cristo fazê-lo por nós, o justo morrendo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus [1Pe 3.18]. 

Vejamos o caso de Uzá [2Sm 6.1-11]. A arca da aliança havia sido tomada pelos filisteus como humilhação máxima, após derrotá-los e matar mais de 30 mil judeus. Então Davi, após derrotar os filisteus, buscou a arca da aliança a fim de levá-la para a sua cidade [1]. A arca foi colocada num carro puxado por uma junta de bois, o que era proibido pela lei, já que a arca só poderia ser transportada pelos levitas que a conduziriam por varais de acácia revestidos por ouro e enfiados nas quatro argolas de ouro colocadas nos seus lados [Ex 25.10-16]. Aqui temos o primeiro erro, ou desobediência. Então, quando os bois tropeçaram, a arca pendeu, como se fosse cair, e Uzá tocou-a, tentando evitar que fosse ao chão. Naquele mesmo instante, a ira de Deus se acendeu contra Uzá, "e Deus o feriu ali por sua imprudência; e morreu ali junto à arca de Deus" [v. 7]. Sempre que lia essa passagem me vinha à mente que Deus não deveria ter agido assim. Afinal Uzá teve boas intenções; não querendo que a arca caísse. Porém, quando começa-se a compreender o real significado do que vem a ser a santidade divina, compreendemos que qualquer desobediência é um ataque direto a Deus. Por menor que seja, por mais irrelevante que pareça, Deus, em sua santidade, não pode ser ofendido, nem mesmo através dos objetos que ele estabeleceu como símbolos da sua presença. De nada adiantaram as boas intenções de Uzá, ele havia desobedecido um preceito divino e, mais do que isso, ele foi imprudente; faltou-lhe tino, juízo, cautela, saber avaliar corretamente a situação a fim de não infringir a lei. Em suma, Uzá foi descuidado, relapso, desobediente, ainda que estivesse imbuído do melhor dos propósitos. Acontece que essa "boa-fé" somente pode ser percebida pelos nossos olhos frágeis e enganosos. Aos olhos de Deus, ele cometeu irreverência, violando a sua santa lei [Rm 7.12]. 

Nos dias de hoje, onde praticamente tudo é considerado "agradável" a Deus, o exemplo de Uzá é um alerta para que não se negligencie a obediência; sabendo que a lei de Deus é eterna e o padrão através do qual Deus estabeleceu como poderíamos imitá-lo, e assim, pelo poder do Espírito, sermos transformados dia após dia na imagem do seu Filho Amado. 

Resumindo, quero dizer que a obediência é o sinal de santidade. Não que sejamos sempre obedientes, porém, quanto mais nos aproximarmos da obediência de Cristo, mais glorificaremos a Deus no processo de nos tornarmos como ele; uma obra que culminará com a nossa transformação na imagem e semelhança do nosso Senhor. Ainda que não compreendamos certas ordens, como soldados é-nos exigido cumpri-las. A parábola dos dois filhos [Mt 21.28-32], parece-me elucidativa do que digo. Como também já falei, o arrependimento nos leva à santidade através do perdão, com o qual temos comunhão com Deus, mas o arrependimento também nos leva à obediência [v. 29]. Mas tanto o arrependimento como a obediência são reflexos da santidade, de forma que há uma relação intrínseca entre eles de precedência e consequência; atrelados de maneira que torna-se difícil distinguir o que é causa do que é resultado. O fato é que santidade, arrependimento e obediência são indissociáveis; e Deus nos exorta a tê-los como prova do caráter de Cristo formando-se em nós. 

A SANTIDADE DE DEUS 
Deus é santo. Mas o que significa ser santo? A palavra hebraica que define o "ser santo" é "qadash", derivada da raiz "qad", denotando separar ou cortar. Logo, santo, quer dizer aquele que é separado ou foi cortado de algum lugar. A santidade humana refere-se ao homem que foi "separado" para Deus, e, também, de que ele foi separado do pecado; uma coisa implicando na outra. Parece contraditório que sejamos chamados de santos por Deus, e vivamos uma vida no pecado [ainda que não integralmente ou mesmo eventualmente]. Como sempre, há de se distinguir o que é eterno e imutável do que é temporal e mutável; do ser perfeito e infinito de Deus e da nossa imperfeição e finitude. Certo é que Deus separou para si um povo santo, que para ele já é e sempre foi santo, porque a sua vontade assim determinou. 

A nossa santidade é derivada e adquirida de Deus, e é ele mesmo que a opera em nós, de forma que a boa obra iniciada se aperfeiçoará até o dia do nosso Senhor Jesus Cristo [Fp 1.6]. O alvo da vida cristã é a santidade, certamente o atributo mais importante, e que nos liga maravilhosamente a Deus. 

Interessante que a Bíblia relata uma série de objetos que eram considerados santos, posto que separados, quer dizer, tirados do seu uso comum como objetivo exclusivo de serem utilizados no serviço de Deus. Temos que as vestes dos sacerdotes eram santas [Ex 28.2]; o lugar do sacrifício era santo [Ex 29.31], os vasos utilizados no templo eram santos [ 1Rs 8.4], e aí por diante. Nesse sentido, tudo o que é separado por e para Deus é santo. Acontece que todas as coisas santas, mesmo o homem, não o são por suas naturezas, mas porque a vontade soberana de Deus estabeleceu que assim seriam. É a sua vontade santa que definirá o que é e o que não é santo, sem que nenhum outro padrão possa ser usado para estabelecer o critério de santidade. E isso somente é possível porque Deus é santo, em seu ser, sua natureza nos revela que ele é absolutamente distinto de toda a Criação. Todos os seus predicados denotam a sua santidade, revelando-nos a singularidade do seu ser, e forma como ele transcende todas as criaturas, não se confundindo com nenhuma delas, estando acima delas, sendo exaltado e glorificado como Senhor supremo, majestoso e excelso, ao qual todos devem exaltar, glorificar e honrar. Deus portanto é santo em sua unidade, na relação entre as três pessoas, e pelo fato de que tudo o mais foi criado pela sua vontade e poder, estando sujeito a ele. Nesse sentido, nenhum de nós pode ser santo, pois apenas Deus é. 

Pode-se falar também de um aspecto específico da santidade divina, o caráter ético e moral que nos é revelado pela Escritura. Nesse sentido derivado, temos que Deus é santo porque estabeleceu leis santas para as suas criaturas, segundo a sua própria santidade. A Lei de Deus é santa porque ele é santo, e por ser santo, tudo o que ele faz e ordena também é. De forma que Deus também está separado de todo o pecado, e na plenitude do seu ser absolutamente santo não pode ter comunhão com ele [o que se pode chamar de santidade negativa], porque ele é a perfeição e a pureza majestosa ética [sentido positivo]. Como Berkhof define, a santidade ética de Deus é virtude da qual ele eternamente quer manter e mantém a sua excelência moral, aborrece o pecado, e exige pureza moral em suas criaturas" [2]

Deus é luz, e dissipa todas as trevas, para que, como os serafins [3], com o rosto e os pés cobertos clamemos: "Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória" [Is 6.3]. 

Notas: [1] A Cidade de Davi é considerada a parte mais antiga de Jerusalém. Ela está situada sobre uma formação montanhosa na parte sudeste à atual cidade velha de Jerusalém nos dias de hoje;
[2] Teologia Sistemática, Editora Cultura Cristã, pg. 67;
[3] Interessante que os anjos eleitos, mais do que os homens eleitos, se escondem envergonhados diante do trono de Deus, cobrindo rosto e pés em sinal de submissão e reverência. E eles não são pecadores, mas puros como Deus os concebeu. Por que é tão difícil para nós, miseráveis e homens de lábios impuros e que habita no meio de um povo de lábios impuros, como diz o profeta, não nos sentimos envergonhados diante daquele que tudo vê? E reconheçamos a nossa pequenez e insignificância diante do esplendor da santidade de Deus?
[4] Textos analisados durante a aula em áudio: 2 Samuel 6.1-11 e Isaías 6.1-7;
[5] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 22.04.2012;
[6] Baixe o áudio desta aula em file.MP3

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 25: A verdade e a fidelidade de Deus




Por Jorge Fernandes Isah





INTRODUÇÃO

Ouvimos falar de verdade constantemente, de que fulano falou a verdade, de que determinada frase é verdadeira, de aquela história é verdade, mas também da sua negação: de que isso é mentira, de que fulano é mentiroso, aquela história é falsa. Acontece que está em voga um conceito que se pressupõe verdadeiro quando afirma que não há verdade. A ironia é de que ele despreza e condenada qualquer conceito de verdade, a exceção é a própria afirmação, a sua base interna, de que não há verdade como verdade. Seria risível se não fosse trágico. Muitas pessoas declaram e repetem esse argumento como uma filosofia de vida, mas sua premissa é contraditória e falaciosa. Quando dizem não haver verdade alguma ou de que ela é algo completamente subjetivo, cabendo a cada um, segundo o seu bel-prazer, estabelecê-la e creditá-la, no sentido de que haverá apenas uma verdade pessoal e jamais universal ou objetiva, erram, contudo, ao validarem o seu próprio enunciado como verdadeiro, universal e objetivo. É o que se pode chamar de "samba-do-crioulo-doido", e um exclusivismo que são incapazes de reconhecer em "outras" verdades. Em linhas gerais, o que dizem é não haver verdade absoluta, quando querem que a sua afirmação seja, ela mesma e unicamente, uma verdade absoluta. Isso é o que se denominou chamar de pós-modernidade ou relativismo, onde as verdades podem ser adquiridas como frutas em feiras e descartadas do mesmo modo. Assim como um comprador gosta de maças vermelhas e grandes, outro comprador passará por elas sem qualquer desejo de comprá-las, preferindo frutas menos vistosas como a jaca, por exemplo. Ou seja, a verdade, assim como a fruta, se estabelecerá no indivíduo meramente pelo seu gosto ou predileção [como uma visão individual, onde só existe o "eu" presente], da mesma forma que poderá ser desprezada.

Do mesmo modo, afirmam não haver certo e errado, mas apenas uma verdade situacional, na qual determinado ato ou pensamento parecerá certo em dado momento e, por isso, será certo. O que buscam, ainda que inconscientemente é o caos social e moral, e muitos deles alcançam seus objetivos angariando a simpatia e concordância de outros, e, estilos de vida nitidamente destrutivos para a humanidade se estabelecem ou podem se estabelecer como verdadeiros simplesmente pela presunção ou estímulo de que sejam verdadeiros. O feminismo e o homossexualismo como fenômenos sociológicos, e o marxismo com político, se enquadram nesse sistema destrutivo de práticas anti-humanas [por humanidade, defino o homem como criado à imagem de Deus], onde as colunas-mestras são demolidas e em seu lugar colocadas varetas de mamonas incapazes de sustentar adequada e ordeiramente a sociedade. Não vou entrar na questão religiosa, como esse sistema sendo pecaminoso e a transgressão dos preceitos divinos. Basta verificar que a ausência de absolutos impossibilitaria a própria existência humana, e alegar a relatividade dos valores resulta apenas e simplesmente na baderna e caos, tanto moral como ético, levando a sociedade à destruição ou a sujeição ao totalitarismo.

Assistindo aos Três Patetas [The Three Stooges], em dado momento, Moe e Larry conversam à mesa:

Moe: Só imbecis têm certeza absoluta!

Larry, curioso: Tem certeza?

Moe respondeu, convicto: Claro!

Este trecho foi publicado na postagem "Mistério, Paradoxos e contradições aparentes - Parte 2", e recebi o seguinte comentário de um irmão, o Natan de Oliveira: "Até os Três Patetas sabem refutar o ceticismo...". Entendo que ele quis dizer "relativismo" ao invés de "ceticismo", mas o termo é também apropriado, já que a descrença na verdade absoluta é uma forma de ceticismo.
Mas o que vem a ser a verdade?
Segundo o Michaelis, é 1 Aquilo que é ou existe iniludivelmente. Conformidade das coisas com o conceito que a mente forma delas. Concepção clara de uma realidade. 4 Realidade, exatidão. 5 Sinceridade, boa-fé. Princípio certo e verdadeiro; axioma. 7 Juízo ou proposição que não se pode negar racionalmente. 8 Conformidade do que se diz com o que se sente ou se pensa. 9 Máxima, sentença. 

Para Platão, "Verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são; falso é aquele que as diz como não são". Já Aristóteles dizia: "Negar aquilo que é e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade". 

Temos aqui uma relação entre o pensamento, a linguagem e o objeto como concepção de verdade, de forma que o objeto ou o ser é a medida ou a validação do pensamento ou discurso. Por exemplo, determinado objeto não é branco porque se afirma que ele seja, mas afirma-se como verdade que ele é branco porque é. O cão, por exemplo, tem características diferentes das de um gato, e que o fazem cão e o gato, gato. Não seria a minha afirmação de que um gato é um cão que o tornaria em cão, o que seria falso. Porém, o fato de eu apontar um cão e afirmá-lo com tal é que faz o que digo ser verdade. Em relação aos objetos visíveis, perceptíveis e sentidos essas distinções são fáceis de se verificar. É impossível que o mar seja um rio e vice-versa. Que uma árvore seja uma rocha, e assim por diante. O fato de alguns seres como peixes, aves e repteis se camuflarem e aparentarem ser outra coisa, não os torna nelas. Eles permanecem sendo o que são, a despeito da ilusão visual que provocam. Mas nas questões metafísicas há uma dificuldade maior em se estabelecer o que seja verdade ou não. Não que elas sejam menos reais do que os objetos visíveis, mas é que, dado a nossa limitação, temporalidade e finitude, elas têm menos sentido ontológico para nós.

Quando os proponentes do pós-modernismo ou relativismo dizem que não há verdade objetiva, eles estão a dizer que o mundo e a realidade e, porque não, eles mesmos, não passam de um delírio ou ilusão. Mas acredito que se perguntados sobre a existência de si mesmos, não a negariam. Se o fizerem, o melhor é dar-lhes as costas e não perder tempo em demovê-los da sua loucura. 

HÁ UMA VERDADE?
Sim. Não a minha verdade, pessoal e intransferível, ou as verdades de cada um de nós, se contrapondo umas às outras de forma que, no final, não haja verdade alguma mas um amontoado de opiniões, sentimentos e provocações, muitas delas sem qualquer controle ou cabimento. A Bíblia afirma que o homem, no Éden, decaiu, estando sob o efeito devastador do pecado, de forma que a sua natureza agirá motivada por ele. O pecado é o que conduz o homem a negar a Deus, seus preceitos ou Lei e palavra, resultando na negação da verdade. Ficando mais fácil, dessa forma, ele dar vazão à iniquidade, intentando sentir-se à margem da verdade. O que o levará a lutar obstinadamente pela sua demolição, a fim de erigir um altar à mentira, o engano, à imoralidade e corrupção. Destruindo-se a verdade, destrói-se a moral, e está-se mais próximo de si mesmo, do ser decaído, podendo-se negar vergonhosamente como imagem daquele que o formou e, então, negar o próprio Deus. É um esquema maligno e perverso em que o homem busca uma liberdade em si mesmo, a qual é impossível de se obter, visto estar ele preso em sua própria mentira, assim como um pássaro está livre em uma gaiola. De certa forma, há uma liberdade, mas não seria a liberdade absoluta que ele supõe ter, e que somente é possível em Deus.

Esse também é o motivo pelo qual se nega que a Bíblia seja a verdade. Negando a sua veracidade, nega-se o seu conteúdo, e a necessidade de aplicá-lo. Então, para eles, o pressuposto é de que não há o Deus bíblico, e, por conseguinte, não há a palavra infalível do Deus bíblico. Ao contrário, para nós, existe o pressuposto de que há apenas um Deus, o Deus bíblico, e de que sua palavra é a verdade. Mais do que nos ater ao conceito filosófico da verdade, resta-nos reconhecer pelo intelecto e pela fé que Deus é sempre verdadeiro e fiel. É o que Paulo diz: "Sempre seja Deus verdadeiro e todo o homem mentiroso" [Rm 3.4]. 


A VERACIDADE EM DEUS
Ora, se Deus é verdadeiro, há verdade em Deus, pois ele é toda a verdade, e a verdade somente pode proceder dele. Novamente o apóstolo diz que o homem é quem transforma a verdade de Deus em mentira, de tal forma que o seu coração possa estar cheio de imundície; não buscando o conhecimento de Deus, mas antes entregando-se a um sentimento perverso, para fazer coisas que não convém [Rm 1.25, 28]. No verso 29 em diante, ele descreve algumas dessas coisas, as quais ofendem a santidade divina e, por isso, quem as pratica está debaixo do seu juízo. Os homens conhecem o juízo divino, mas para manterem-se presos ao pecado, desejaram e optaram em negar a verdade, e, assim, negar o Deus vivo e verdadeiro; de forma que nem ele, nem o seu conhecimento, nem sua palavra sirvam de padrão máximo para o homem; e ele não repita o que está escrito: "Mas o Senhor Deus é a verdade; ele mesmo é o Deus vivo e o Rei eterno" [Jr 10.10]. Ora, ainda que o homem fale a verdade, e ele a falará, Deus é verdadeiro em seu ser, não havendo mentira nele. A verdade é essencial em Deus, de tal forma que se ele não fizer tudo conforme a verdade, nega-se a si mesmo, e não é Deus. Sem a verdade, Deus não seria Deus. E ele é Deus por ser a verdade.


Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 13.05.2012;
2- Baixe o áudio desta aula em file.MP3
3- No áudio deste estudo, faço uma análise dos seguintes textos bíblicos, complementando este texto: Jo 14.6, Gn 3.1-6 e Rm 1.22-32

domingo, 29 de abril de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 24: A sabedoria de Deus





Por Jorge Fernandes Isah



INTRODUÇÃO


A sabedoria de Deus é outro dos seus atributo intelectuais [Jó 12.13], o qual também nos foi comunicado; de forma que o homem pode, ainda que não perfeitamente, como Deus, apresentar-se sábio em muitos momentos. Normalmente temos a impressão de que conhecimento e sabedoria são sinônimos, quando, ainda que estejam relacionados, os seus conceitos e aplicações são diferentes. Por exemplo, um homem inculto pode ter grande sabedoria, enquanto um erudito pode não passar de um tolo. O conhecimento é proveniente dos estudos, logo, teórico, enquanto a sabedoria é a capacidade intuitiva de se conhecer as coisas, logo, prática. Pode-se concluir que o conhecimento não depende da sabedoria, um homem pode tê-lo sem que seja necessário usá-lo, enquanto a sabedoria dependerá sempre de algum conhecimento anterior à aplicação.


Mas, o que significa mesmo a palavra sabedoria?

A sabedoria está sempre ligada ao conhecimento, ainda que se discuta a aplicação de um termo melhor, sapiência. Do ponto de vista filosófico, sabedoria refere-se tradicionalmente à conduta racional nas atividades humanas, a possibilidade de dirigi-las da melhor maneira possível. Platão a identifica com sapiência, de forma que não há distinção entre elas, definindo-a como "a mais elevada e, sem a menor dúvida, a mais bela, pois trata da organização política e doméstica, à qual se dá o nome de prudência e justiça" [O Banquete, pg 209]. Aristóteles distingui-a de sapiência, considerando-a o "habito prático e racional que diz respeito ao que é bom ou mau para o homem" [Ética, VI, 5, 1140 b 4]. Como o homem é mutável, por conseguinte, a sua sabedoria também, Aristóteles distingue-a da sabedoria que está acima de tudo, a qual é elevada e divina, portanto, imutável, sendo sempre a mesma. Parece-me que tanto Platão como Aristóteles definem sabedoria como a capacidade do homem viver uma vida virtuosa, prudente, e capaz de discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o verdadeiro e o falso. Isso está em acordo com o que a Bíblia nos revela àcerca da sabedoria.

No A.T. a sabedoria se aplica comumente aos homens, como a capacidade dada por Deus para que eles coloquem-no, em suas vidas, no lugar correto e apropriado. A começar pelo temor do Senhor [Jó 28.28, Pv 9.10]. E assim, aqueles que conhecem a Deus refletirão nas questões práticas da vida o seu caráter pessoal, santo e justo, ou seja, o homem aplicará, no seu cotidiano, o ensino revelado por Deus; implicando, primeiramente, no conhecimento da sua vontade, expressa na Escritura, sem a qual não é possível o discernimento, a análise e o emprego dos princípios de certo e errado, que o levará ao juízo correto e a uma vida reta diante de Deus e do próximo.

O termo normalmente utilizado para se referir à sabedoria no hebraico é "hokmâ", e para sábio, "hãkãm", cobrindo toda uma gama de experiências humanas, tanto na aptidão de exercer uma atividade [Ex 31.3,6; Is 10.13; Dt 34.9], como na sagacidade, que é a capacidade de compreensão da realidade, ainda que oculta [2Sm 20.22], como na prudência, a virtude que nos faz prever e evitar as faltas e os perigos e que nos leva a conhecer e praticar o que nos convém [Sl 37.30; Pv 10.31, Sl 90.12]. No caso do cristão, representa ser obediente aos princípios morais e éticos bíblicos, e a evitar as práticas que ferem esses mesmos princípios, revelando que a sabedoria nas questões práticas da vida é derivada, originada, da revelação divina [Is 33.5-6; Pv 2.6]. 

No NT ela é expressa pela palavra grega "sophos" e, normalmente, se relaciona à capacidade de um homem abordar a vida, decorrente da aliança com Deus, logo, é considerada uma dádiva de Deus.

UM EXEMPLO DE SABEDORIA

O exemplo de um homem sábio é o do rei Salomão, filho de Davi. No início do seu reinado, Deus apareceu-lhe em sonho, e disse-lhe: "Pede o que queres que eu te dê" [1Rs 3.5]. Salomão pediu: "A teu servo, pois, dá um coração entendido para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; porque quem poderá julgar a este teu tão grande povo?" [v.9]. Deus assegura então a Salomão que, não somente o faria sábio, mas que nem antes nem depois dele jamais apareceria homem mais sábio do que ele: "Eis que fiz segundo as tuas palavras; eis que te dei um coração tão sábio e entendido, que antes de ti igual não houve, e depois de ti igual não se levantará" [v.12]. A primeira pergunta que vem a mente é: Salomão foi mais sábio que Jesus [comparação que os detratores do Cristianismo fazem com Mt 12.42]? A Bíblia não afirma isso, e o trecho lido não faz alusão a Cristo. Sabemos que Cristo era Deus-homem, o Verbo encarnado, e de que, portanto, não era um homem comum. Sua sabedoria era divina, eterna, infinita, imutável e perfeita. Em Cristo não havia duas pessoas, mas apenas uma, a do Verbo. Duas naturezas, a divina e a humana, mas uma única pessoa. Não há dualismo em Cristo. Pois, sendo Deus, nada relativo à sua natureza humana afetaria a sua natureza divina; temos em Cristo o Deus-homem, não o Cristo Deus e o Cristo homem, como se fossem duas pessoas distintas subsistindo em uma. Muitos afirmam contradição onde não há. O fato é que eles partem do falso pressuposto de que Cristo é apenas um homem e, logo, como poderia a Bíblia afirmar que um homem não encontra igual entre os homens, e, mais à frente, afirma que há um homem maior do que aquele? Contudo, se eles não lessem a Escritura apenas à procura de contradições, se a lessem como o livro inspirado e a palavra do próprio Deus, perceberiam que Cristo não é apenas um homem, mas o Verbo encarnado. Como a premissa deles é falsa, todo o argumento é falacioso e, pior, em sua soberba, falam do que não conhecem e nem querem conhecer. São os ignorantes que não querem abandonar a ignorância, antes querem perpetuá-la, aliciando incautos e fazendo-os repetir seus delírios.

Quando Deus distingue a sabedoria de Salomão da de todos os homens, fala dos seres criados; poderíamos dizer, dos homens comuns, aqueles que estão no mesmo nível do filho de Davi, que carecem e necessitam desesperadamente de Deus. A sua afirmativa está presa ao fato de que Salomão foi um homem cujas decisões seriam tomadas mediante o conhecimento claro, direto, imediato e espontâneo da verdade. Ele teria uma percepção, pressentimento, ou melhor, a intuição do que fazer, e assim decidir com justiça. O relato da disputa de duas mulheres por uma criança, em que ambas se diziam a mãe do bebê, revela-nos o grau de sabedoria ao qual Deus está se referindo [1Rs 3.16-28]. Não o conhecimento e o discernimento infinitos, perfeitos e eternos que o Senhor Jesus tem, mas, simplificadamente, a capacidade que Deus deu ao rei de julgar corretamente. Parece-me mais a capacidade de avaliar e decidir pela verdade, o que não quer dizer que ele detenha a verdade, nem a conheça exaustivamente. Como se dirigiu a Deus, o seu pedido foi limitado ao julgamento das coisas terrenas, das disputas humanas, e a sentenciar retamente, diante de um povo tão grande. Ainda que as decisões fossem complexas, como o exemplo citado das mães e do bebê. A sabedoria de Salomão era divina [v.28], no que se referia à justiça em Israel, mas de forma alguma quer dizer que Salomão fosse sobrenaturalmente sábio, infalível e perfeito como Cristo. O fato dele decidir mal em relação à própria vida pessoal, ao cuidado da sua casa, e quanto ao permitir que se erguessem altares de deuses pagãos em Israel, os quais eram adorados livremente, demonstra que essa sabedoria não era exaustiva, nem abrangente, nem perfeita em unidade. 

A SABEDORIA EM DEUS

Sendo Deus sábio, a sabedoria é necessária e essencial em seu ser, de forma que ele não poderia ser o que é sem ela. Como já foi dito, a sabedoria divina é perfeita, eterna, infalível e imutável; de forma que encontram-se escondidas, em Deus e em Cristo, todos os tesouros da sabedoria e da ciência [Cl 2.3]. Ela é originária em Deus, e somente ele a detém. Ainda que os homens possam ser considerados sábios em vários momentos, somente Deus é sábio eternamente. O homem pode ter momentos de sabedoria, mas a sabedoria não se confunde com o ser humano, e torna-se inadequado afirmar que o homem seja sábio. Temos "flaches" de sabedoria, em que nossas decisões e ações refletem o conselho divino, mas, na maioria das vezes, estamos distantes, e acabamos produzindo a insensatez e o desatino. Ela também se desenvolve no homem, é progressiva, adquire-se com o passar dos anos. Em Deus, ele é a sabedoria, e somente ele pode ser chamado de sábio, em seu sentido absoluto, como uma propriedade ou qualidade singular, própria e exclusiva dele. Diferente do homem, Deus não aprende nem exercita a sua experiência. Deus sabe e é eternamente. A sabedoria é inerente a ele, não podendo ser acrescentada nem diminuída, como se houvessem graus de sabedoria em Deus. Deus tem toda a sabedoria, que em sua perfeição e eternidade é imutável e infinita. Muitas vezes a infinitude nos dá uma ideia de desenvolvimento, de progressão, um conquistar no tempo e no espaço, porém, tudo que progride é finito, e o finito jamais será infinito. Deus é infinito, e somente ele conhece a sua infinidade. Assim como somente ele conhece a sua sabedoria, que para nós é incompreensível em sua totalidade. Como está escrito: "Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito" [Sl 147.5]. E, como poderia o homem medir a sabedoria divina? De maneira alguma, porque quão profundas são as riquezas, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos [Rm 11.33]. Resta-nos quedar admirados e fascinados com tão grandiosa revelação, sabendo que, se queremos ser homens sábios, devemos buscá-la em Deus, que é o único que a tem. Tiago nos diz para pedi-la, pois Deus a dá liberalmente. Mas, primeiro, devemos reconhecer que a temos em falta; e nos humilhar diante daquele que a tem em abundância, e a dará certamente.

Sábio também é aquele que, ao invés de confiar na própria sabedoria [o que em si, já é sinal de sabedoria], e enganar-se a si mesmo, deposita a sua confiança em Deus, sabendo que a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus, para que nenhuma carne se glorie perante ele [1Co 3.18-21; 1.29]. Por isso, ninguém é chamado de filho por ser sábio, no sentido em que o mundo conhece, porque ele não pode conhecer a Deus por sua sabedoria. Muitos dos que foram chamados, a maioria de nós, não o foram por serem sábios, poderosos ou nobres na carne; porque, como está escrito, aprouve a Deus escolher as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias, e as que não são, para aniquilar as que são [1Co 1.26-27]. Se buscamos saber aos moldes do mundo, nosso esforço será infrutífero. Mas se empenharmo-nos em aprender de Deus, através da sua santa palavra, quão sábio seremos, pois cumpriremos a sua vontade de viver neste mundo em santidade, separados para ele. Se é do Senhor que vem o conhecimento e o entendimento [Pv 2.6], busquemo-lo, e ele se revelará a nós, dando-nos gratuitamente o que granjeamos: que Cristo faça abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência, descobrindo-nos o mistério da sua vontade [Ef 1.8-9], e, repetindo,  em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência.


Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. em 25.03.2012;
2-Baixe esta aula em file.MP3
3-A sabedoria de Deus está presente em tudo, e não há nada que ele faça mais ou menos sábio, pois ele é a própria sabedoria. Ela tanto está presente na Criação, na Escritura, como na redenção através da obra do nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, optei em postar uma foto que simbolizasse um entre todos os atos sábios divinos, a crucificação e morte na cruz do nosso Redentor. 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 23: O conhecimento e a presciência de Deus




Por Jorge Fernandes Isah



INTRODUÇÃO
Atributos comunicáveis são os atributos divinos que podemos encontrar, ainda que em graus muito menores, em nossa personalidade. Como está escrito no livro de Gênesis, Deus nos fez à sua imagem e semelhança, de forma que nos deu algumas características de sua pessoalidade, não no sentido de serem idênticas às nossas mas de, através delas, nos identificarmos com o ser pessoal que ele é. Vemos em nós, ainda que por sombras, aquilo que ele é; ainda que diferentemente de nós ele seja santo, perfeito e eterno. Por isso falamos dos atributos comunicáveis como aqueles que definem Deus como o ser pessoal. Entendo, contudo, que é difícil, e mesmo impossível, distingui-lo em sua pessoalidade, como se fosse possível ele ser parcialmente pessoal ou parcialmente impessoal em seus atributos. Deus, na verdade, é pessoal em todo o seu ser, em todos os seus atributos, mesmo nos que não são considerados comunicáveis. Afirmar que esse ou aquele atributo é mais pessoal do que outro parece-me uma distorção, como se pudêssemos fragmentá-lo ou dividi-lo no que não pode ser fragmentado ou dividido. Esta divisão serve para entender melhor aquilo que é por demais grandioso, maravilhoso e inescrutável ao homem: a divindade em todos os seus aspectos eternos, infinitos e imutáveis.

Quando consideramos o que definiu-se por "comunicáveis", não podemos esquecer de que eles também são, em sua perfeita unidade, "incomunicáveis", no sentido de serem infinitos, eternos e imutáveis como é todo o ser de Deus. De sorte que, falar em pessoalidade de alguns atributos poderá induzir ao erro de se considerar outros como impessoais; mas sendo o ser de Deus completamente perfeito, essa distinção faz-se desnecessária e, até mesmo, inadequada.

Ainda que se diga que os atributos incomunicáveis apenas assinalam ou evidenciam o ser absoluto de Deus, enquanto os comunicáveis o ser pessoal, fica-nos claro que isso é algo impossível do ponto de vista da unidade e exclusividade divina, a qual não pode ser dividida nem mesmo para efeitos meramente didáticos.

Não estou dizendo que certas classificações não sejam de providencial e prudente ajuda no entendimento e compreensão do ser divino; não é isso. Mas que a ideia de pessoalidade em alguns atributos pode ser mais danosa para esse entendimento do que auxiliadora. Por mais que se não queira, é inevitável, por nossa limitação e imperfeição, uma certa "dissecação" do ser absoluto e supremo; porém, em alguns aspectos ela não traz nenhum dano à compreensão, mas aqui, penso, ela pode ocasionar sérios desvios e distorções levando mesmo à incompreensão.

Sendo ele absoluto, o causador de todas as coisas e pelas quais deu-lhes a existência, Deus se relaciona pessoalmente com a Criação, ou melhor, com suas criaturas. Porém, não devemos esquecer de que Deus é um ser pessoal em si mesmo, onde subsistem três pessoas, que se interrelacionam eternamente, mesmo havendo o carater de subordinação entre elas, sem que haja desigualdade, mas uma igualdade perfeita e santa. Qualquer tentativa de se definir Deus, portanto, como um ser impessoal é, em si mesma, falsa; ainda que não houvesse nada criado, pois nele mesmo encontramos a personalidade perfeita da qual somos meros reflexos imperfeitos e finitos. O que nos leva novamente a questionar qualquer tentativa de entender a pessoalidade divina a partir do homem e suas relações. Elas nos auxiliam como elementos díspares, quase em oposição ao que Deus é, ainda que haja resíduos divinos nos seres criados; mas devemos ter a consciência de que o nosso carater e relacionamentos estão anos-luz de qualquer semelhança ao carater e pessoalidade divinas. A referência ao homem como um ser pessoal deve-nos levar a reconhecer que, como criaturas finitas e limitadas, criados pelo Deus absoluto, temos que ele é também pessoal, mas de uma pessoalidade superior, infinita e perfeita, ao contrário de nós.

Nada disso seria possível se Deus não se quisesse revelar ao homem como o ser pessoal, e, para tanto, temos como base e testemunho a Escritura Sagrada, na qual lemos, desde o início, Deus se relacionando com as suas criaturas. E, nela, encontramos a melhor definição sobre o ser de Deus: ele é Espirito; a quem ninguém pode ou poderá ver, mas, em sua misericórdia e bondade, aprouve a ele nos dar a conhecer pelo seu Filho Amado, o qual poderemos olhar, tocar, abraçar, pois é o Verbo encarnado, a segunda pessoa da Triunidade Santa, e que é a perfeita imagem divina. A ele, Deus eterno e Todo-Poderoso, mas também Todo-Amoroso para com o seu povo, honra e glória eternas!

O fato de Deus estabelecer princípios morais e de obediência nos leva a reconhecer nele a suprema pessoalidade, na qual somos guiados a, voltando-nos para ele, buscar sermos como ele é. Por isso há inúmeras exortações quanto à santidade: sede santo como é santo o vosso Pai. Somos exortados e orientados pelo próprio Senhor a sermos pessoalmente como ele é. Claro que a referência não é a sermos como Deus, em sua unidade e intereza, mas a sermos integralmente santos, retos e justos como ele é. O carater santo, reto e justo, no qual devemos almejar, mostra-nos que somente assim é-se possível relacionar-se com o Criador e compreender essa "faceta" maravilhosa da sua pessoalidade, ainda que o termo "pessoa" não seja aplicado na Bíblia a Deus. Contudo a ideia de o ser pessoal é verdadeira, sendo explicitada na criação do homem, mas, especialmente, na salvação providenciada pelo próprio Deus, realizada na expiação do Filho eterno, Jesus Cristo, que propiciou aos eleitos relacionarem-se definitivamente com Deus, revelando-o através de si, como a imagem fiel e perfeita, de forma que pudéssemos conhecê-lo e termos nossos caracteres moldados à sua semelhança. E aquilo que é pessoal somente em Deus, santidade e justiça plenas, também o será em nós, por sua obra realizada [mas, para nós, está em processo de realização].


ATRIBUTOS INTELECTUAIS DE DEUS

1) O Conhecimento de Deus
Pode-se defini-lo como sendo a perfeição de Deus pela qual ele conhece a si mesmo e todas as coisas num único ato eterno e simples. Com isso se quer dizer que o conhecimento divino é abrangente, exaustivo, infinito e simultâneo, de maneira que nada lhe escapa, nem se lhe apresenta progressivamente, e de que o seu conhecimento vai além das coisas criadas. Sabiamente o salmista diz: "Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito" [Sl 147.5]. O profeta também diz: "Ai dos querem esconder profundamente o seu propósito do Senhor, e fazem as suas obras às escuras, e dizem: Quem nos vê? E quem nos conhece?" [Is 29.15], e, ainda: "Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga? É inescrutável o seu entendimento" [Is 40.28].

Diferentemente de nós que temos o conhecimento limitado e parcial ao que vemos, tocamos, podemos mensurar ou verificar, Deus tem o conhecimento exaustivo e infalível de tudo [onisciência]. Muito antes do mundo vir a existir, Deus já o conhecia. Muito antes de sermos criados, ele também já nos conhecia. Todos os fatos, em seus mínimos detalhes, não lhe escapam, pois foi pela sua vontade que eles vieram a existir. E a vontade divina não está presa a nada nem ninguém. Não podemos dizer que Deus age conforme o curso das coisas se desenrolam, à medida em que acontecem, para então definir o passo seguinte. Não. Deus preordenou tudo o que acontece, por sua livre vontade, a qual produz o seu conhecimento. Não numa sequência como a descrita, primeiro a vontade, depois o conhecimento, isso é fruto da limitação humana que, presa ao tempo, não consegue orientar-se fora dele. Deus tem vontade e conhecimento simultâneos, jamais progressivamente, pois ele vê as coisas de uma vez em sua totalidade, ainda que o próprio conceito de simultaneidade esteja atrelado à ideia do tempo, a qual é exterior ao ser de divino, não exercendo nenhuma influência sobre ele.

Deus conhece a si mesmo, o que se chama de "conhecimento simples". É o conhecimento que Deus tem de si sem fazer nenhum esforço para se conhecer. É o conhecimento próprio, inerente, e não se desdobra em conhecimento progressivo. Deus sempre se conheceu completamente, sem a necessidade de, como o homem, conhecer-se progressivamente, através da observação e do aprendizado de si mesmo e dos seus semelhantes; um conhecimento adquirido, empírico. O homem é, em muitas fases da vida, ignorante de si. É possível que passados anos e anos ele não tenha o conhecimento de si, pois sempre os terá incompletos, e, muitas vezes, incompreensíveis [por conta da finitude humana, mas também do pecado que afetou a nossa mente, corrompendo-a]. Ainda assim, o que conhecemos de nós somente é possível pelo favor divino, de nos dar o seu Espírito, "para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente" [1Co 2.12]. Quanto a Deus, ele não ignora nada do seu ser e natureza, de forma que sabe tudo a seu respeito, pois, assim como Deus é eterno, o seu conhecimento também é, sendo completamente imune à ignorância. Deus não aprende nem adquire conhecimento; ele tem todo o conhecimento, pois ele depende apenas de si, e tão somente de si, e não das coisas criadas, para saber como elas são, muito antes de serem. Ele anuncia o fim desde o princípio [Is 46.10], e lhe são conhecidas, desde o princípio do mundo, todas as suas obras [At. 15.18], e, então, temos a afirmação bíblica de que o conhecimento divino é eterno.

Deus sabe tudo sobre tudo, ele tem o conhecimento perfeito e completo de todas as coisas. Ele conhece todos os eventos, passados, presentes e futuros, bem como o que se passa no coração do homem, seus propósitos e atos. Nada escapa aos olhos de Deus, nem algum lugar pode estar escondido dele. É o que o salmista diz: "Senhor, tu me sondaste, e me conheces. Tu sabes o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento... Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás, se fizer no inferno a minha cama, eis que tu li estás também" [Sl 139.1, 7-8]. Nada, nem mesmo os pensamentos mais insignificantes podem ser ocultados de Deus. Tudo se apresenta diante dele, o que é e o que há de ser, mas também o que foi e o que não. É o que o apóstolo nos diz: "E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas" [Hb 4.13]. Ora, se Deus conhece a si mesmo que é infinito, como não poderia conhecer o que é finito? 

2) PRESCIÊNCIA DIVINA
A presciência divina não é apenas uma antevisão, adivinhação ou simplesmente "ver o futuro". Deus não é um mero espectador como quando nos posicionamos diante de uma tela, passivamente, a ver um filme. Deus conhece o futuro, assim como conheceu o passado e conhece o presente, porque para ele o tempo está sempre diante de si. Vejamos o exemplo de um rolo de filme [já que as trilhas dos dvds não são visíveis aos olhos humanos]: o filme se compõe de quadros que rodados a certa velocidade dá-nos a imagem correta do evento que ocorreu. Podemos ver um quadro e ali uma cena. Mas aquele quadro não poderá nos revelar todo o desenrolar da película. O filme será sempre uma apreensão do passado, de algo que já aconteceu [mesmo um filme futurista será passado diante do espectador]. Os quadros, individualmente, não representam o filme. À medida que eles se sucedem, compreendemos o que ocorreu. Se pularmos diretamente para o final, na maioria das vezes não compreenderemos o seu desenrolar. Se apenas iniciássemos-lo, não saberíamos do que se trata. Deus não vê dessa forma. Fazendo uma analogia, ele seria uma espécie de diretor que, antes mesmo de iniciar a gravação do filme, já conhece todo o seu enredo. O fato é que muitos diretores não são os autores do texto, e é comum que os diretores interfiram no curso da história à medida em que o filme é produzido. No caso de Deus, ele é o autor do enredo e aquele que propicia, infalivelmente, que o enredo aconteça sem modificações. Ele elaborou e executou todo o projeto, do seu início ao seu final, sem alterações ou ajustes. Por causa da sua imutabilidade e todo-poder, muito antes do mundo vir à existência, Deus já o conhecia como ele é.

O significado disso é que os defensores da “scientia media” estão enganados, e defendem uma base que não é bíblica. Originariamente criada por teólogos jesuítas, e posteriormente adotada pelos luteranos e remonstrantes [arminianos], eles defendem que Deus elegeu e escolheu pessoas a partir do conhecimento de que elas, no futuro, teriam fé e se arrependeriam, vindo a serem salvas. Mas, pergunto: como pode o Deus perfeito, sábio e imutável deixar-se conduzir por aquilo que suas criaturas fazem ou deixam de fazer? Se Deus age segundo a vontade de suas criaturas, temos que ele não tem sua vontade livre, e a tem “presa” à das suas criaturas. A tentativa dos adeptos da “scientia media” é harmonizar a doutrina da predestinação e eleição divinas [leia-se, soberania de Deus] com a do livre-arbítrio humana [leia-se, soberania humana]. Mas fato é que a Bíblia nos revela a vontade e poder soberanos de Deus e, em nenhum momento, revela que o homem tenha uma escolha livre, indiferente ou arbitrária, capaz de leva-lo tanto a escolher uma como outra proposição contrária. Se atentarmos que causas internas [a natureza caída, por exemplo] e externas nos levam a tomar certas decisões, temos que o homem não possuí o livre-arbítrio ou a liberdade da indiferença, pois ela somente pode acontecer em um ambiente de completa neutralidade interna e externa, o que é impossível.

O erro está em se considerar como necessário para a responsabilidade humana que ele seja livre, mas a questão do sentido de liberdade, se para isso será obrigatório que as decisões humanas sejam indeterminadas, nos levaria a descrer e colocar em dúvida a onisciência divina, pois mesmo Deus, seria incapaz de saber eventos que não sejam claramente determinados. Não haveria, por exemplo, a certeza de que as profecias se realizariam. Então, temos duas proposições lógicas que se contradizem, e tentar harmonizá-las implicará no absurdo da ilogicidade. Afirmar que Deus elegeu homens para a salvação por conta daquilo que eles viriam a fazer, ou seja, por seus próprios esforços e méritos, é enganoso e anti-bíblico. Sabemos que o homem somente pode vir a Deus se ele quiser. Não é algo que se possa querer antes de Deus operar a regeneração e tirar-lhe a venda dos olhos. Deus é quem os abre, levando-os à luz do Evangelho de Cristo, e, então, somente então, eles têm a fé suficiente para o arrependimento. 

Arthur Pink diz que o termo presciência não é simplesmente um mero pré-conhecimento de eventos futuros. Ele liga o termo ao fato de que Deus não tem, primeiramente, presciência de eventos contingentes, para depois eleger as pessoas, mas ele tem o pré-conhecimento de pessoas, antes de tudo. Em todas as passagens do Novo Testamento onde o termo é encontrado não há referência alguma a atos humanos, mas a homens. A presciência divina não se refere a ações; e a predestinação e eleição não são consequências da presciência, não são causadas por ela, mas esta decorre daquelas. Nas passagens a ordem é muito clara: Deus prevê que os que predestinou e elegeu ouvirão infalivelmente o Evangelho e se converterão. Não estudarei uma a uma dessas passagens, mas as citarei para que se possa analisá-las e confirmar a assertiva de Pink; são elas: Atos 2.23; Rm 8.29-30 conforme Rm 11.2 e 1Pe 1.2. A ordem correta dos eventos na Escritura é fundamental para que se não retire a glória de Deus na salvação do homem, colocando-a indevidamente no próprio homem. Quando este é quem determina a predestinação e eleição divinas, passa-se a ter uma salvação meritória, por haver no homem alguma coisa boa, seja prevista ou concretizada, que levará Deus a se compadecer e lançar sobre ele a sua graça e misericórdia. Mas quando entendemos corretamente a obra de redenção, reconhecemos que ela é completamente divina, de forma que seremos conformados à imagem de Cristo, à qual fomos chamados segundo o propósito de Deus [Rm 8.28-29]. Deus tem um propósito, de que sejamos a imagem do seu Filho; ele não nos elegeu porque anteviu que seríamos conformes, mas porque nos elegeu é que vislumbrou que o seríamos. Deus decretou primeiro, e sua presciência baseia-se no seu decreto, de forma que, seremos conformados a Cristo porque esse é o propósito divino. 

Resumindo: Deus não previu determinado evento e decidiu tirar dele o máximo possível. Ele ordenou que tais eventos realizassem e, assim, a sua vontade livre e soberana se realizasse na história. Por isso Deus não viu algo que aconteceria e ordenou que acontecesse, mas ele ordenou e ela aconteceu infalivemente, sem chance de não acontecer. E a presciência nada mais é do que a "visão futura" [ainda que o futuro não exista para Deus] daquilo que Deus ordenou, como coisa realizada, líquida e certa.


Notas: 1) Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico em 18.03.2012;
2) Baixe o áudio desta aula em file.MP3
3) O esquema da foto acima foi retirado do site da Universidade Metodista de São Paulo, e me pareceu adequado para resumir como se dá o conhecimento de Deus a partir da visão humana. O conhecimento divino, em si mesmo, é "indemonstrável", pois é infinito, eterno e perfeito. Nenhuma representação é possível, então, optei em representar a forma de como ele estabeleceu que o homem poderia conhecê-lo. Parece-me um esquema equilibrado [ainda que metodista], em que a Bíblia é o centro desse conhecimento, e, somente a partir dela, ele é possível, mas se trata de uma imagem, e nada além disso. Aceitarei críticas ao esquema, caso haja.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 22: A unidade de Deus




Por Jorge Fernandes Isah




INTRODUÇÃO
O que é unidade? Ela é a característica ou qualidade daquilo que é uno, único, indivisível, o qual não se pode separar. Em relação a Deus, este atributo quer-nos dizer duas coisas: 

1- De que Deus é único, não pode ser dividido, pois ele não é constituído por partes, mas o ser integral, coeso, completo, absoluto. Com isso se quer dizer que não há nele nenhum aspecto que se sobressaia sobre outro aspecto, nenhum atributo que se sobressaia sobre outro atributo; que em seu caráter não há nada mais ou menos importante, como se houvesse graus de relevância em seu ser. 

2- De que Deus é exclusivo, de forma que ele é incomparável, excepcional, não havendo outro igual a ele; sendo superior a todos os outros seres, não existindo algo com o qual se possa compará-lo. 

Leiamos Dt 6.4 e 10.14: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”, e: “Eis que os céus e os céus dos céus são do Senhor teu Deus, a terra e tudo o que nela há”.

Temos aqui o resumo do que seja a unidade divina, de que há somente um Deus, e de que ele é o único Senhor. De forma que a ideia politeísta de que há outros deuses é lançada por terra. 

Também é desmentida a ideia de que Deus não é Senhor; no sentido de que ele não exerce seu senhorio sobre a criação, sejam anjos, demônios, homens, o universo, céu e inferno, terra e ar. Especialmente aqueles cristão que defendem a falsa doutrina do não-senhorio de Cristo, encontram-se em maus lençóis diante dessa categórica assertiva bíblica, pois Deus é Senhor de tudo e de todos, sem exceção. 

Veja bem, aqui também temos a ideia ateísta desmoronando-se, pois esse trecho nos revela que Deus existe, e de que ele é o Senhor de todas as coisas, não somente dos crentes, mas de tudo o que há e veio à existência pelo seu poder e vontade. Somente o ser infinitamente perfeito, imutável e santo pode ser uno. Os homens, em contrapartida são constituídos por partes. Temos corpo e alma, mas Deus é Espírito, um só Espírito [Jo 4.24]. 

Com isso não estou defendendo a doutrina unitarista, a qual afirma não haver três pessoas, mas apenas uma pessoa que se manifesta em três maneiras ou formas diferentes. Então, é impossível falar em unidade divina sem se tocar na questão da Trindade [lat trinitate, quer dizer, simplesmente, "três"]. Este termo não está na Bíblia, mas foi escolhido para designar a pluralidade que há em Deus, contudo, ele gera confusão pois remete o ouvinte à ideia de que o Cristianismo é a cosmovisão que acredita haver três deuses, o que é chamado pelos nossos oponentes de triteísmo. Por isso a melhor expressão para definir a unidade divina subsistindo em três pessoas é Tri-unidade, o qual passarei a utilizar. 

O atributo da unidade nos remete à eternidade divina, no sentido de que as pessoas da Triunidade não estavam separadas e se uniram, mas de que Deus sempre foi e é único, a unidade perfeita, um só Deus, mas três pessoas em unicidade. E isso nos afasta do conceito politeísta, ou mesmo a errônea ideia de que a Trindade pode ser comparada com o triteísmo, porque a Bíblia nos ensina o monoteísmo; igualmente, ela não nos ensina também a unicidade, mas de que há três pessoas que não se confundem; porém, isto será objeto de nosso estudo sobre a Tri-unidade Divina, nas próximas aulas, tão logo terminemos o estudo sobre os atributos de Deus. 

O erro está em supor que Deus é um, mas tem apenas uma personalidade. A unidade divina está expressa no fato de que todas as pessoas da Tri-unidade têm a mesma essência, a mesma natureza, mas não quer dizer que elas possuem uma única personalidade. Por isso, na história do Cristianismo, definiu-se que há um só Deus [Deuteronômio 4:35, 6:4, 10:14, Salmo 96:5, 97:9, Isaías 43:10, 44:6-8, 44:24, 45:5-6, 45:21-23, 46:9, 48:11-12, João 17:3, 1 Timóteo 2:5, Apocalipse 1:8, (Oséias 13:4)], no qual subsistem três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo [Mateus 3:16-17, 11:27, 17:1-9, 27:46, João 1:18, 14:16-17. A pré-existência do Filho: Cl 1:13-17, Hb 1:2-3, Jo 1:1], e de que há plena igualdade entre elas .Elas são idênticas em sua natureza e essência, mas distinguidas por características particulares que não são possuídas em comum pelas demais. De forma que o Pai não é o Filho, nem o Filho o Espírito Santo, nem o Espírito o Pai; havendo distinções pessoais dentro da essência divina. Assim sendo, há uma pluralidade em Deus, sem se perder a sua unidade. É o que o Credo de Atanásio diz: “Mas a fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade. Não confundindo as pessoas, nem dividindo a substância". Cada uma destas verdades é parte daquilo que Deus nos quis revelar de si mesmo, e qualquer doutrina que não se baseie nelas é heresia, fraude e engano.

A UNIDADE DE DEUS COM A IGREJA
Sabemos que Deus é um em unidade, mas também sabemos que ele é um com o seu povo. A partir da união entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo podemos experimentar e viver essa mesma união. É claro que como seres finitos, imperfeitos e pecadores necessitamos desesperadamente da graça e misericórdia divinas para que, limpos do pecado pelo sacrifício do Filho na cruz, sejamos reconciliados com Deus, e assim possamos viver em unidade com ele. 

Este é um ponto que deve ser analisado por dois aspectos:

Primeiro, de que a nossa união com Deus, através de Cristo, se deu antes da fundação do mundo, e por ele mesmo foi concebida e realizada. Não há como, por nós mesmos, nos unir a Deus; foi preciso que ele providenciasse a nossa redenção para que pudéssemos nos unir a ele. Então, como promessa divina, como desejo divino, sem a menor chance de não se realizar, já estamos unidos com Deus eternamente.

Segundo, visto o homem estar preso ao tempo e espaço, e o projeto divino se realiza sucessivamente no decorrer da história, para nós, essa união pode ser sentida, mas não vivenciada constantemente. O pecado, que se manifesta ainda no salvo, é um dos obstáculos para que essa união se concretize definitivamente. Com isso estou a dizer que, para Deus, já estamos unidos a ele, pela obra consumada de Cristo, mesmo antes dele consumá-la no tempo, pois ela é eterna, e a eternidade não é um futuro para Deus, mas um “presente” sempre constante diante dos seus olhos. Segundo o olhar divino, já estamos unidos a ele. Sob a nossa perspectiva imperfeita e limitada, ainda não. Ou seja, estamos incapacitados de reconhecer essa união permanentemente. A carne, em constante luta contra o espírito, obscura-nos os olhos, para que não vejamos a realidade da nossa união com Deus. Mas ela é uma realidade bíblica, senão, vejamos: 

“E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela tua palavra hão de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim” [Jo 17.20-23]. 

Nesta oração do Senhor Jesus, ele pede ao Pai que sejamos, nós, todos os cristãos, em todos os tempos, um com Deus, assim como o Pai é um com o Filho. É claro que o Senhor não está dizendo que seremos “deuses”, nem de que participamos da mesma natureza de Deus. Não é nada disso. Ele está dizendo que estamos unidos a ele porque o seu santo Espírito habita em nós, de forma que Deus é um conosco. Ora, se Deus é indivisível, imutável e infinito, como vimos no estudo da infinidade e imutabilidade divinas, temos que, de uma forma maravilhosa e indescritível, o ser completo de Deus está em cada um de nós, e, assim, estamos completamente unidos a ele. Esta união se dá pelo seu amor, como alvos que somos, e pelo qual ele se manifesta. É algo que se dá pelo poder e vontade de Deus, e da qual não temos nenhum controle ou domínio, apenas recebendo-o como dádiva e bênção para as nossas vidas; um prêmio que não merecemos e jamais mereceríamos. 

Outro ponto que a unidade de Deus nos remete é às suas promessas, assim como as suas promessas nos remetem à unidade divina, de que elas estão em conformidade, em harmonia, unidas em um único propósito de cumprirem a sua vontade; tanto a vontade como as promessas são indissolúveis, indissociáveis, e se realizarão infalivelmente, revelando-nos o Deus único em seus atributos, vontade e obra. 

CONCLUSÃO
A unidade de Deus nos revela que ele é um, único, em sua natureza e substância, sem que a sua pluralidade de personalidades o transforme em um ser composto. Deus é um, subsistindo em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que não se confundem entre si, mas que numericamente são um Deus. Isso, jamais, poderá nos levar à ideia politeísta de que há um triteísmo no Cristianismo. O Cristianismo é monoteísta, pois não afirma haver deuses, mas somente um Deus.

Assim como Deus é um, e suas pessoas não podem ser separadas, ele também é um com a igreja. O fato de sermos o templo do Espírito Santo, e de o corpo de Cristo, nos revela que já somos um com Deus. Para ele, essa é uma realidade eterna, que nunca deixou de ser ou existir. Para nós, que estamos na carne e lutamos contra o pecado, pode ser como uma ladeira: ora subimos e sentimos que estamos em unidade com Deus, ora descemos e sentimos também que não estamos. A nossa limitação nos impede de viver permanentemente essa realidade, o que acontecerá definitivamente naquele dia em que estivermos diante de Deus, quando não mais haverá o pecado e, portanto, nenhuma venda a ocultá-la dos nossos olhos. 

Por último, esse maravilhoso atributo divino nos dá a garantia de que as suas promessas se realizarão, pois Deus é um consigo mesmo, e sua vontade e ação também são únicas, infalíveis e irredutíveis.


Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. em 11.03.2012;
2-Baixe esta aula em file.MP3

sábado, 31 de março de 2012

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 21: Objeções à imutabilidade de Deus





Por Jorge Fernandes Isah



Há aqueles que não acreditam no atributo da imutabilidade, confundindo Deus com um ser estático, imóvel. A imutabilidade não implica, jamais, em inatividade, em um Deus imóvel e passivo. Sabemos que Deus é o Senhor da História, de que ele age ativa e incessantemente, de forma que, se não fosse por ele, nada do que existe se manteria e sustentaria. Ele é aquele que sustenta todo o universo, mesmo as partículas invisíveis e muitas coisas que o homem ainda desconhece da criação. Deus é imutável em seu ser e propósitos, o que não quer dizer que ele esteja paralisado, mas que tudo acontecerá conforme a sua vontade imutável, segundo o seu decreto imutável, de forma que tudo é por ele e para ele. Ainda que os planos divinos se desdobrem e se realizem progressivamente no tempo, eles acontecerão conforme a sua imutável vontade, sem que possam ser revertidos, anulados ou modificados.

Quando alguém diz que a imutabilidade é um “engessar” de Deus, ele não entende do que está falando. Deus decretou, ordenou, planejou e executou todas as coisas, sem que elas possam não-acontecer. Jó, mesmo diante do sofrimento pelo qual passava, reconheceu que Deus tudo pode, e nenhum dos seus planos pode ser frustrado [Jó 42.2]. Salomão também compreendeu esse atributo maravilhoso: “Muitos propósitos há no coração do homem, porém o conselho do Senhor permanecerá” [Pv 19.21]. Ainda mais contundente é a afirmação do profeta: “O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará... Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?” [Is 14.24, 27 – ver Is 43.13].

Ele não criou o mundo e abandonou-o. Mas todas as coisas surgem e acontecem pelo seu santo, perfeito e imutável projeto; cada coisa no universo existe, se move e vive pelo agir divino, pelo seu poder infinito de ordená-las. Porém, sempre aparecerá alguém a dizer que Deus mudou ou se arrependeu. Mas o Deus perfeito, infinito, santo e imutável pode mudar? Haveria contradição entre o que ele mesmo afirma em sua palavra e entre o que alguns afirmam? Deus abriria mão da sua imutabilidade, o que vale dizer, da sua divindade, para ser o não-Deus? Por que ele faria isso? E, pode Deus deixar de ser Deus? A verdade é que, como sempre, a compreensão humana está sujeita às falhas e imperfeições naturalmente disponíveis em seu ser. Quando o homem deixa de reconhecer em Deus aquilo que ele mesmo diz de si mesmo para dar vazão às suas elucubrações, como se fosse possível a Deus ser comparado aos homens, as chances de acertos, mesmo mínimos, tornam-se irrisórias. O que muitos fazem é transferir para ele parte da natureza humana, confundindo a linguagem humana, pela qual Deus se deu a conhecer ao homem, com o caráter e a natureza divina.

Os nomes de Deus, que foram estudados algumas aulas atrás, atestam a manifestação divina de várias formas, mas em todas elas, ele permanece imutável. Sendo Criador, Senhor, Salvador, Juiz, Libertador, Providente, etc, Deus se revela aos homens de maneiras diversas, em cada curso da história ele poderá se manifestar através de características diferentes, contudo, permanecendo o mesmo.

Na Escritura encontramos Deus se dando a conhecer a partir de sentimentos e reações humanas, o que se chama de antropopatismo, que nada mais é do que a atribuição a ele de qualidades humanas, ou análogas a outros seres; ele é chamado do “Leão da Tribo de Judá”, Rocha, Pastor, Refúgio. Com isso não se quer dizer que ele seja um mamífero ou um mineral ou uma casa. São recursos de linguagem que o próprio Deus, em sua misericórdia e bondade, se deu a comparar para que pudéssemos conhecê-lo.  O ser divino, como já estudamos, é infinito, infinitamente perfeito, e podemos conhecê-lo limitadamente [ainda que ele se revele fundamentalmente como Deus]. De maneira simples, Deus atribui a si mesmo alguns dos sentimentos humanos, mas que em nada têm a ver com mudança de personalidade, propósito ou natureza. Trechos como os de Gn 6.6-7, Ex 32.14, Jr 18.8-10 e Jn 3.9-10, por exemplo, revelam a imutabilidade divina, ao contrário do que se imaginaria isolando-os e não os relacionando com outras partes da Escritura. O plano ou decreto eterno permanece inalterado, não estando sujeito a variações por conta das circunstâncias; mas dentro do seu plano, Deus mudou de um curso de ação para outro curso de ação, ações essas que são imutáveis, e que foram estabelecidas pelo próprio Deus. Na verdade, a mudança não é em Deus, mas no homem e nas relações que o homem tem com Deus.

No Livro de Jonas, Deus ordenou que os ninivitas se arrependessem do seu pecado, caso contrário, em quarenta dias, seriam destruídos. Ao ouvirem a mensagem do profeta, o rei e o povo se arrependeram, convertendo-se do seu mau caminho, e Deus anunciou que não os destruiria mais. Houve alguma mudança no propósito divino? Não. O trato dos ninivitas com Deus é que mudou, de forma que a ira do Senhor não foi lançada sobre o povo. Mas sabemos que tanto o arrependimento como o desviar-se dos maus caminhos da cidade de Nínive estavam dentro do plano divino. A pregação de Jonas, os ninivitas crendo na palavra profética, e, através da qual se arrependeram, são particularidades que acompanham a ação, o acontecimento, dentro do plano divino, o qual é imutável. Vejam que aqui estão presentes também outros atributos divinos, como a misericórdia, a graça, o perdão de Deus, mas tudo segundo a sua vontade eterna e soberana, de maneira que não haveria como os ninivitas não se arrependerem. Contudo a Bíblia também nos relata sobre povos que foram chamados ao arrependimento e mantiveram-se endurecidos, e sobre eles sobreveio a ira de Deus, consumindo-os. Em nenhum dos casos há mudança de propósito, de desígnio, de projeto, mas de atitudes.

Outro trecho muito usado para defender a ideia de que Deus é imutável, acontece no livro de 2 Reis. Temos o caso do rei Ezequias, a quem o Senhor disse, através do profeta Isaías, que morreria por causa de uma doença. Ezequias então orou a Deus; mas o segredo de Deus era que ele o curaria e lhe daria mais 15 anos de vida, como de fato sucedeu. Tal acontecimento não indica contradição ou mudança. A declaração foi feita para humilhar a Ezequias e revelar-lhe a completa dependência que tinha de Deus, levá-lo a orar, e, assim, a imutável vontade divina fosse concretizada [2Rs 20.1-7].

De qualquer forma, a ideia que a Bíblia nos dá do arrependimento divino é precária, mas suficiente para nos revelar a  singularidade e infinitude divinas, porque há coisas em Deus que são próprias somente dele, e que podem até ter alguma semelhança com as das criaturas, de forma que são expressos como se fossem delas, mas não são suficientes para explicar ou definir o que é exclusivo de Deus. Por exemplo, o termo hebraico traduzido para "arrependimento de Deus" é Nãham, que traduzido quer dizer tristeza ou consolo. Já o termo hebraico para o arrependimento humano, o voltar-se do pecado para Deus, dando-nos a ideia clara de remorso, é Shûb. Ainda que Deus se arrependa, é-nos claramente revelado que o seu arrependimento é díspare do nosso, havendo a possibilidade de existir elementos parecidos, mas, com certeza, não há igualdade entre eles, por tudo o que Deus é e por tudo o que somos. Mesmo que Deus tenha sentimentos parecidos com os nossos, em seu ser perfeito, eles também são perfeitos, e jamais serão iguais aos dos homens.


CONCLUSÃO

A imutabilidade de Deus nos dá, seres mutáveis e falíveis, a certeza de que somente nele encontraremos o repouso necessário, a confiança necessária, a esperança necessária, o ânimo necessário, a vida necessária, e tudo o mais capaz de nos trazer a segurança de que, apenas nele, estaremos completamente seguros. Mas isso não se baseia em nossa percepção ou em nossa capacidade de autoindução [como uma técnica de autoajuda], mas na certeza de que ele não muda nos compromissos e promessas que jurou, em seu nome, realizar por nós, e para nós.

Confiar que temos alguma coisa que possa agradá-lo, quando não há nada em nós que possa agradá-lo, é transferir para nós o mérito que é somente dele. Por mais que façamos, por mais que julguemos ter feito em prol do reino de Deus, isso não será nada diante dele, pois é ele quem, em seu plano imutável, nos capacitou e nos deu a realizá-lo. Afinal, como seres caídos, miseráveis, tolos, pecadores e mutáveis podem se aproximar do Deus absoluto, infinito e perfeito, sem serem consumidos? Apenas através do Filho Amado, Jesus Cristo, pelo qual somos feitos capazes de não somente nos aproximar dele, mas de tê-lo como Pai, e de ser tratado por ele como filhos. A obra maravilhosa de Cristo nos ergueu, limpou e curou, de maneira que fôssemos aceitos, reconciliados eternamente com ele. E isso transcende todo o tempo, ainda que realizada no tempo, pois é fruto da sua vontade e projeto eternos e imutáveis.

Glória e honra e louvor ao Deus bendito que, dia após dia, nos revela a sua misericórdia e graça e bondade infinitas para com o seu povo; sem que esse povo tenha feito algo para merecê-lo.

Notas: 1- Aula realizada na E.B.D em 04.03.2012
2- Baixe o áudio desta aula em Aula 21.MP3
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