Por Jorge Fernandes Isah
INTRODUÇÃO
O que é unidade? Ela é a característica ou qualidade daquilo que é uno, único, indivisível, o qual não se pode separar. Em relação a Deus, este atributo quer-nos dizer duas coisas:
1- De que Deus é único, não pode ser dividido, pois ele não é constituído por partes, mas o ser integral, coeso, completo, absoluto. Com isso se quer dizer que não há nele nenhum aspecto que se sobressaia sobre outro aspecto, nenhum atributo que se sobressaia sobre outro atributo; que em seu caráter não há nada mais ou menos importante, como se houvesse graus de relevância em seu ser.
2- De que Deus é exclusivo, de forma que ele é incomparável, excepcional, não havendo outro igual a ele; sendo superior a todos os outros seres, não existindo algo com o qual se possa compará-lo.
Leiamos Dt 6.4 e 10.14: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”, e: “Eis que os céus e os céus dos céus são do Senhor teu Deus, a terra e tudo o que nela há”.
Temos aqui o resumo do que seja a unidade divina, de que há somente um Deus, e de que ele é o único Senhor. De forma que a ideia politeísta de que há outros deuses é lançada por terra.
Também é desmentida a ideia de que Deus não é Senhor; no sentido de que ele não exerce seu senhorio sobre a criação, sejam anjos, demônios, homens, o universo, céu e inferno, terra e ar. Especialmente aqueles cristão que defendem a falsa doutrina do não-senhorio de Cristo, encontram-se em maus lençóis diante dessa categórica assertiva bíblica, pois Deus é Senhor de tudo e de todos, sem exceção.
Veja bem, aqui também temos a ideia ateísta desmoronando-se, pois esse trecho nos revela que Deus existe, e de que ele é o Senhor de todas as coisas, não somente dos crentes, mas de tudo o que há e veio à existência pelo seu poder e vontade. Somente o ser infinitamente perfeito, imutável e santo pode ser uno. Os homens, em contrapartida são constituídos por partes. Temos corpo e alma, mas Deus é Espírito, um só Espírito [Jo 4.24].
Com isso não estou defendendo a doutrina unitarista, a qual afirma não haver três pessoas, mas apenas uma pessoa que se manifesta em três maneiras ou formas diferentes. Então, é impossível falar em unidade divina sem se tocar na questão da Trindade [lat trinitate, quer dizer, simplesmente, "três"]. Este termo não está na Bíblia, mas foi escolhido para designar a pluralidade que há em Deus, contudo, ele gera confusão pois remete o ouvinte à ideia de que o Cristianismo é a cosmovisão que acredita haver três deuses, o que é chamado pelos nossos oponentes de triteísmo. Por isso a melhor expressão para definir a unidade divina subsistindo em três pessoas é Tri-unidade, o qual passarei a utilizar.
O atributo da unidade nos remete à eternidade divina, no sentido de que as pessoas da Triunidade não estavam separadas e se uniram, mas de que Deus sempre foi e é único, a unidade perfeita, um só Deus, mas três pessoas em unicidade. E isso nos afasta do conceito politeísta, ou mesmo a errônea ideia de que a Trindade pode ser comparada com o triteísmo, porque a Bíblia nos ensina o monoteísmo; igualmente, ela não nos ensina também a unicidade, mas de que há três pessoas que não se confundem; porém, isto será objeto de nosso estudo sobre a Tri-unidade Divina, nas próximas aulas, tão logo terminemos o estudo sobre os atributos de Deus.
O erro está em supor que Deus é um, mas tem apenas uma personalidade. A unidade divina está expressa no fato de que todas as pessoas da Tri-unidade têm a mesma essência, a mesma natureza, mas não quer dizer que elas possuem uma única personalidade. Por isso, na história do Cristianismo, definiu-se que há um só Deus [Deuteronômio 4:35, 6:4, 10:14, Salmo 96:5, 97:9, Isaías 43:10, 44:6-8, 44:24, 45:5-6, 45:21-23, 46:9, 48:11-12, João 17:3, 1 Timóteo 2:5, Apocalipse 1:8, (Oséias 13:4)], no qual subsistem três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo [Mateus 3:16-17, 11:27, 17:1-9, 27:46, João 1:18, 14:16-17. A pré-existência do Filho: Cl 1:13-17, Hb 1:2-3, Jo 1:1], e de que há plena igualdade entre elas .Elas são idênticas em sua natureza e essência, mas distinguidas por características particulares que não são possuídas em comum pelas demais. De forma que o Pai não é o Filho, nem o Filho o Espírito Santo, nem o Espírito o Pai; havendo distinções pessoais dentro da essência divina. Assim sendo, há uma pluralidade em Deus, sem se perder a sua unidade. É o que o Credo de Atanásio diz: “Mas a fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade. Não confundindo as pessoas, nem dividindo a substância". Cada uma destas verdades é parte daquilo que Deus nos quis revelar de si mesmo, e qualquer doutrina que não se baseie nelas é heresia, fraude e engano.
A UNIDADE DE DEUS COM A IGREJA
Sabemos que Deus é um em unidade, mas também sabemos que ele é um com o seu povo. A partir da união entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo podemos experimentar e viver essa mesma união. É claro que como seres finitos, imperfeitos e pecadores necessitamos desesperadamente da graça e misericórdia divinas para que, limpos do pecado pelo sacrifício do Filho na cruz, sejamos reconciliados com Deus, e assim possamos viver em unidade com ele.
Este é um ponto que deve ser analisado por dois aspectos:
Primeiro, de que a nossa união com Deus, através de Cristo, se deu antes da fundação do mundo, e por ele mesmo foi concebida e realizada. Não há como, por nós mesmos, nos unir a Deus; foi preciso que ele providenciasse a nossa redenção para que pudéssemos nos unir a ele. Então, como promessa divina, como desejo divino, sem a menor chance de não se realizar, já estamos unidos com Deus eternamente.
Segundo, visto o homem estar preso ao tempo e espaço, e o projeto divino se realiza sucessivamente no decorrer da história, para nós, essa união pode ser sentida, mas não vivenciada constantemente. O pecado, que se manifesta ainda no salvo, é um dos obstáculos para que essa união se concretize definitivamente. Com isso estou a dizer que, para Deus, já estamos unidos a ele, pela obra consumada de Cristo, mesmo antes dele consumá-la no tempo, pois ela é eterna, e a eternidade não é um futuro para Deus, mas um “presente” sempre constante diante dos seus olhos. Segundo o olhar divino, já estamos unidos a ele. Sob a nossa perspectiva imperfeita e limitada, ainda não. Ou seja, estamos incapacitados de reconhecer essa união permanentemente. A carne, em constante luta contra o espírito, obscura-nos os olhos, para que não vejamos a realidade da nossa união com Deus. Mas ela é uma realidade bíblica, senão, vejamos:
“E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela tua palavra hão de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim” [Jo 17.20-23].
Nesta oração do Senhor Jesus, ele pede ao Pai que sejamos, nós, todos os cristãos, em todos os tempos, um com Deus, assim como o Pai é um com o Filho. É claro que o Senhor não está dizendo que seremos “deuses”, nem de que participamos da mesma natureza de Deus. Não é nada disso. Ele está dizendo que estamos unidos a ele porque o seu santo Espírito habita em nós, de forma que Deus é um conosco. Ora, se Deus é indivisível, imutável e infinito, como vimos no estudo da infinidade e imutabilidade divinas, temos que, de uma forma maravilhosa e indescritível, o ser completo de Deus está em cada um de nós, e, assim, estamos completamente unidos a ele. Esta união se dá pelo seu amor, como alvos que somos, e pelo qual ele se manifesta. É algo que se dá pelo poder e vontade de Deus, e da qual não temos nenhum controle ou domínio, apenas recebendo-o como dádiva e bênção para as nossas vidas; um prêmio que não merecemos e jamais mereceríamos.
Outro ponto que a unidade de Deus nos remete é às suas promessas, assim como as suas promessas nos remetem à unidade divina, de que elas estão em conformidade, em harmonia, unidas em um único propósito de cumprirem a sua vontade; tanto a vontade como as promessas são indissolúveis, indissociáveis, e se realizarão infalivelmente, revelando-nos o Deus único em seus atributos, vontade e obra.
CONCLUSÃO
A unidade de Deus nos revela que ele é um, único, em sua natureza e substância, sem que a sua pluralidade de personalidades o transforme em um ser composto. Deus é um, subsistindo em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que não se confundem entre si, mas que numericamente são um Deus. Isso, jamais, poderá nos levar à ideia politeísta de que há um triteísmo no Cristianismo. O Cristianismo é monoteísta, pois não afirma haver deuses, mas somente um Deus.
Assim como Deus é um, e suas pessoas não podem ser separadas, ele também é um com a igreja. O fato de sermos o templo do Espírito Santo, e de o corpo de Cristo, nos revela que já somos um com Deus. Para ele, essa é uma realidade eterna, que nunca deixou de ser ou existir. Para nós, que estamos na carne e lutamos contra o pecado, pode ser como uma ladeira: ora subimos e sentimos que estamos em unidade com Deus, ora descemos e sentimos também que não estamos. A nossa limitação nos impede de viver permanentemente essa realidade, o que acontecerá definitivamente naquele dia em que estivermos diante de Deus, quando não mais haverá o pecado e, portanto, nenhuma venda a ocultá-la dos nossos olhos.
Por último, esse maravilhoso atributo divino nos dá a garantia de que as suas promessas se realizarão, pois Deus é um consigo mesmo, e sua vontade e ação também são únicas, infalíveis e irredutíveis.
Notas: 1-Aula realizada na E.B.D. em 11.03.2012;
2-Baixe esta aula em file.MP3