Por Jorge Fernandes Isah
O ateísmo não é algo novo e que surgiu nos últimos séculos. O salmista já o denunciava a seu tempo [Sl 14.1]. Acontece que temos os ateus professos ou dogmáticos, aqueles que declaram e defendem uma fé ateísta, a fé na descrença em Deus. Ela se baseia na ideia central do movimento iluminista nos sec. XVII e XVIII de que tudo o que não pode ser explicado pela razão humana, sendo essa razão superior e final para se estabelecer todo o conhecimento humano, simplesmente não existe. Parte-se do princípio de que se deve "provar", através da razão, se tal coisa ou objeto existe ou não. A esse racionalismo segue-se o empirismo, que resumidamente advoga para si o único poder de guiar seguramente o homem ao conhecimento. Como não é possível provar experiencialmente a existência de Deus, sendo ele quem é, segue-se que ele não existe. Há uma frase célebre de Descartes, um filósofo francês, que disse: "Penso, logo, existo!". Mas ela falha preliminarmente ao não considerar que o Sol existe a despeito de eu pensar ou não. De que outras pessoas existem, também a despeito de eu pensar ou não. E que o mundo continuará existindo, mesmo que eu esteja morto e não pense mais [seguindo o padrão ateísta de que não há vida depois da morte]. Esses são os ateístas clássicos, possíveis de se encontrar em vários círculos, mesmo cristãos, e o perigo está em se retirar toda a sobrenaturalidade da existência, como se tudo fosse algo meramente natural e possível de ser explicado naturalmente.
Ouve-se muito, em discussões entre teístas e ateístas, estes dizerem que as coisas que o homem ainda não conseguiu explicar serão conhecidas um dia, bastando para isso que se decorra o tempo e o homem continue a sua evolução intelectual e científica. Para eles, tudo é sempre uma questão de tempo, principalmente para que toda a vida e o universo sejam desvendados e conhecidos. Temos aqui um "endeusamento" do homem, que em algum estágio da sua suposta evolução deterá o conhecimento total tornando-se em um "deus". Mas esse pensamento é falacioso pois, como vimos, a razão é um elemento da humanidade, portanto, finita, falha, imprecisa, e como poderia explicar um universo infinito e complexo? É a presunção e arrogância novamente se travestindo de sabedoria e superioridade, quando prova exatamente o contrário, torna o seu proponente em tolo e inferior em todos os sentidos, pois sua visão estará contaminada pela tolice e pretensão.
Mas o objetivo central desta aula não é discutir um ateísmo teórico, filosófico. Reconhecemos que esses homens têm em si o "Imago Dei" e o "Sensus Divinitatis", mas em sua rebelião deliberada, num desejo de exaltar a si mesmo e criar um ídolo à sua imagem e semelhança, rejeitaram o conhecimento de Deus que há neles, como Paulo nos diz em Romanos 1, e que pudemos abordar na aula passada. Quero falar é do ateísta prático, aquele que, mesmo não negando a Deus verbalmente o nega em seu coração. Pois, vou-lhes dizer irmãos, nesse sentido, todos fomos ateus. Surpresos? Leiamos o que Paulo tem a nos dizer: "Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo" [Ef 2.12].
No verso anterior, o apóstolo diz que os efésios eram, em outro tempo, gentios na carne, ou seja, em dado momento de nossas vidas, antes da conversão, do chamado de Deus para vivermos a glória da regeneração em Cristo, éramos ateus, pois vivíamos sem Deus. Lembram-se que a palavra ateu quer dizer "sem Deus"? Pois bem, todos nós, sem exceção, ainda que tendo o conhecimento inato de Deus, o qual o próprio Deus colocou em nosso coração, vivemos sem ele, até que sejamos por ele transformados. De criaturas em filhos. Pois há a falsa ideia de que todos os homens, sem exceção, são filhos de Deus. Mas não é o que a Bíblia nos diz: "[Cristo] veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" [Jo 1.11-13]. Portanto, apenas aquele que crê, e para crer tem de ser pela vontade divina não pela vontade do homem ou da carne, é filho de Deus. As demais pessoas são criaturas, não têm vínculo filial com ele.
Paulo se refere aos efésios e, por tabela, a todos nós que vivíamos segundo a carne e pela carne, como ateus práticos. Eles não negavam a existência de Deus, pelo contrário, eles cultuavam outros deuses. E, muitos, diziam servir a Deus, amá-lo, honrá-lo. Porém, suas vidas revelavam o contrário. Ao darem vazão aos seus instintos e intentos carnais eles negavam a Deus ignorando-o, fazendo exatamente tudo o que lhe afrontava, pervertendo os seus caminhos, afastando-se de todo o seu conhecimento, desobedecendo-o e rejeitando os seus preceitos. Eles, como nós, viviam para satisfazer os seus prazeres e desejos, na forma do pecado, e assim seus discursos eram aparentemente piedosos, reverentes, mas em seus corações e em suas vidas havia apenas a descrença em Deus: "Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toa a boa obra" [Tt 1.16], resume o apóstolo.
O fato de usarem o nome de Deus não os faz dignos dele; pois o Deus que diziam servir e adorar nada tinha a ver com o Deus vivo e verdadeiro, o Deus bíblico. E é aqui que o problema tem contornos ainda mais dramáticos; pois eles, como nós, criavam a ilusão de estar servindo a Deus, de cultuá-lo, de se colocar a seu serviço, quando não queríam nada com ele. Elegeram um Deus "postiço", um substituto, e o fizeram objeto de adoração. É o que Paulo diz aos atenienses: "Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio" [At 17.23]. A partir daquele momento, Paulo lhes apresentou o Deus vivo, o único Deus, o qual não substituiria todo o panteão de divindades gregas dos atenienses, mas as destruiria, porque Ele, como criador de todas as coisas, e quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas [v. 24-25], "não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam" [v.30]. E, arrependam-se de que? Ora, de ignorá-lo como único Deus, e fazerem para si deuses de várias formas, e assim manterem enraizadas em seus corações a depravação e a rebelião contra ele.
Quando ouço coisas do tipo: "Não leio a Bíblia, mas eu sirvo a Deus", pergunto para a pessoa: Mas a qual Deus? Elas, na maioria das vezes, dizem servir a um Deus que não podem identificar, um Deus indeterminado, impessoal. Ele estaria mais para uma entidade abstrata e imprecisa, e, como servir e adorar o que não se conhece ou pode conhecer? Então, normalmente dizem: "Esta é a minha fé, e Deus a aceita como ela é!". Nisso há alguma razão. Ele tem uma fé que não é sobrenatural, que não provém de Deus, mas uma fé humana, claudicante, frágil e enganosa. Uma fé gerada em seu próprio coração iníquo. E que o lança ainda mais na ilusão ao afirmar que Deus a aceita como ela é, mas como sabê-lo? Deus falou diretamente com ele? Ou não passa de uma suposição, um pensamento derivado da sua necessidade de manter-se distante e protegido da verdade?
Todos fomos assim um dia; ateus práticos, que não dizíamos negar a Deus, mas o negávamos diariamente mantendo-nos ignorantes quanto a ele, mantendo-nos distantes dele, presumindo que os nossos conceitos e opiniões pudessem ser superiores à Revelação escriturística, de forma que ela fosse dispensável. De forma que tanto a moral que tínhamos, como a ética, como o julgamento, eram claramente uma indisposição, uma má vontade contra ele.
Qualquer um que diga conhecer e servir a Deus fora dos padrões estabelecidos pelo próprio Deus é um ateu prático. Certamente ele não professará a fé ateísta, mas se manterá como um ateu secreto. Por isso, tanto o ateu militante e teórico, como o ateu não-militante e secreto, necessitam desesperadamente da redenção, a redenção da mente, da alma, do espírito, somente possível através de Cristo, o único mediador entre o homem e Deus. Se Cristo não estiver ali, unindo as duas partes, elas permanecerão distantes, irreconciliáveis. Ele que "é a imagem do Deus invisível" [Cl 1.15], pelo seu sangue derramado na cruz trouxe-nos a sua paz; a nós que éramos inimigos no entendimento pelas nossas obras más, agora nos reconciliou, nos apresentando santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis [Cl 1.20-22]. Por isso, o mundo labuta tanto contra Cristo, e há uma obra em progressão que faz as pessoas terem a ideia de que se é possível apresentar-se dignamente diante de Deus por si mesmos, sem a intermediação do Redentor. As pessoas concentram suas forças no mérito pessoal, na capacidade que consideram ter de, em si mesmo e por si mesmos, achegarem-se a Deus. Também é visível que o homem cria cada vez mais um Deus impessoal, um Deus genérico, capaz de reconhecer em cada indivíduo o seu esforço ou até mesmo esforço algum, numa contradição somente possível aos homens, naufragando em sua própria estupidez. Um Deus assim seria um Deus despropositado, senil, autista e esquizofrênico. Capaz de reconhecer tudo e nada ao mesmo tempo, verdade e mentira, realidade e ilusão, santidade e corrupção, de maneira que ele seria um Deus sem pessoalidade, indefinível. Esse é o desprezo máximo a Deus, saber que ele existe, mas viver sem Deus no mundo, como um ateu.
Nota: [1] Para baixar o áudio para o seu computador ou dispositivo móvel clique em Aula 11.MP3
[2] Aula da E.D.B. em 04/12/2011